Trentemøller, “River in Me”, https://www.youtube.com/watch?v=0KMLyQjI5mI
Derramar num copo sem fundo as lágrimas ácidas que não
querem casa. Intuir que essas lágrimas são matéria tóxica, um contaminante
pegajoso que se pega à pele por mais que se julgue que delas houve libertação. E,
todavia, a função não se suspeita fácil. Palavras de conforto ecoam como balas
perdidas numa câmara de ressonância, fazem ricochete nas paredes, querem
acertar nos corpos se não for à primeira, ou à segunda, ou à terceira. Percebe-se
a intenção. São acólitas de um arrematar do tempo como se não houvesse um chão
pedregoso a magoar os pés. Convoca-se a lucidez. Convoca-se o frenesim da razão,
se houver mister para pressentir o que é a razão. Nuvens densas podem vir a
palco transtornar os sentidos, metendo-se uma ceifa fria pelo meio, adulterando
o que se julga ser a lucidez. Às vezes, como num sonho. Ou como num pesadelo –
para ser mais coerente com o rigor. Mas não há forças vãs. Não há palavras
temerárias que cominem dano no porvir que se espera. Só um comando maior, uma
força sobre-humana se preciso for, conta para fazer subir o sol escondido na
penumbra. Os esteios do jardim, onde se escondem pássaros de quem apenas se
ouve o chilrear, são um eflúvio para o pensamento. Refrigeram-no. Emprestam-lhe
claridade, como se uma janela se entreabrisse para derrotar os campos negros
despojados depois de uma convulsão. E não há terra queimada. Mesmo que pareça. Há
cinzas férteis que se juntam para dar ânimo a um vulcão que suplica para sair
da letargia. E o pensamento comanda tudo. Traz pelos dedos da cintilação os
fragmentos que depois serão um todo coerente, um todo com sentido – outra vez. E
nem a noite, ou os demónios tresloucados, ou os arpões dardejados por lanceiros
desapiedados, ou os demónios mais poderosos, nada conseguirá derrotar um
majestoso estado de espírito que desarranja os algozes que teimarem em adejar. Chega
um acenar da mão. Um vigoroso acenar da mão, para enxotar os algozes para um
poço sem fundo de onde não tenham resgate.
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