Cigarettes After Sex, “Apocalypse”
(live), in https://www.youtube.com/watch?v=CdtfjCoYw1A
Era o texto do avesso: verificadas as
constantes que se sobrepunham (e por isso tomavam o nome de “constantes”), mas
que, por serem constantes, desinteressavam, a ossatura frenética convocava os
abalos telúricos de onde sairiam, emergentes, as exceções – as novidades. O
marasmo desinstalado faria corar de vergonha, por manifesta impreparação para o
oposto do marasmo, os seus habituais cultores. Nada disto interessava se não
fossem os violinos escutados em surdina, como se estivessem a ser tocados
algures, num sítio escondido, por músicos sem rosto. O som não era melífluo,
como apraz às multidões que apenas conseguem emprenhar música
desinteressantemente melodiosa.
No vagar do tempo, enquanto os morcegos
estavam de atalaia à noite para despertarem do torpor, as crianças saíam da
escola e mostravam um fulgor que não lhes fora conhecido nas horas prévias. Os progenitores,
aguardando do lado de fora da escola, pareciam apascentar os mimosos petizes,
levando-os pela mão para não serem – vá-se lá saber – vítimas de azougados caçadores.
Um homem passou nessa altura, vestindo gabardina comprida abotoada até cima. Estava
calor, um calor impróprio para o mês que o calendário mostrava. Num acesso de
lucidez – ou apenas produto da distração de quem apenas tinha olhos para os
petizes que saíam da escola – a pose do homem não motivou desconfiança. Ainda bem.
Lá dizem os cânones que até prova em contrário, todos são inocentes.
Depois da noite, quando as cores da alvorada
se ensaiavam num arrebatamento singular, um boémio cambaleava pela rua fora, ainda
abraçado a uma garrafa que entornou. A garrafa seria depósito de uma qualquer
bebida branca e o rapaz estava em plena embriaguez. Não ligava às pessoas que já
tinham deposto o sono e se apressavam para o trabalho. O mesmo acontecia, mutatis mutandis. O rapaz abrandou o
passo e inclinou o dorso para a parede de um prédio. Vomitou compulsivamente. E
depois ainda teve força para dizer: “não
há nada mais belo do que a luminosidade da alvorada.”
Um polícia, ainda de turno, passou ao
largo. O sono era tanto que as dificuldades do rapaz lhe foram indiferentes. (Ou
foi por ter ouvido o arroubo poético do rapaz e ter concluído que um ébrio não
tem condições para poetizar. Como estava errado, o senhor agente. E ele sabia-o
de cátedra.)