Protomartyr, “I’ll Take
That Applause” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=ZjeFUHRf2zc
Estava na hora. Não se podia
adiar, o juízo marcou seu lugar na agenda. Era um pouco como estar acossado. Tinha
a certeza que seria acantonado, os dedos inquisitórios erguer-se-iam em sua
direção, escutaria o libelo acusatório e, em jeito de adenda significativa, as
notas de rodapé como julgamento de carácter. Era como arcar o peso do
xeque-mate. O peso do xeque-mate seria a infâmia a abater-se sobre o seu dorso,
sem direito a usar da palavra como antinomia das contundentes acusações.
Por uma vez que fosse, haveria de
ir buscar coragem ao fundo mais fundo que conseguisse arregimentar. Ele há
casos de jogos virados do avesso, um golpe de asa a virar o tabuleiro do jogo. Ele
há casos em que a presa se transforma em caçador. Saberia fazer do xeque-mate
seu trunfo, devolvendo-o à procedência. Daria a impressão de fragilidade, para
os acusadores se repimparem na sobranceria, assertivos quanto à insídia
decretada sobre o acusado, seguros de não haver contestação ao libelo acusatório.
Seria o seu trunfo: deixar os verdugos verter a arrogância dos irredutíveis,
deixá-los ecoar a certeza de que não deixavam pontas soltas e do cerco não havia
como fugir.
E ele fingiria. O tempo todo. Fingiria
a aceitação da humilhação, prostrado, com a cabeça inclinada sobre os punhos em
pose de decadente subserviência perante os verdugos, perante toda a casta, como
se a pose fosse a imagem viva da aceitação da infâmia decretada antes de o
julgamento encontrar sua sentença. Fingiria arrependimento, sem sequer poder
invocar a comiseração dos julgadores. Então, num golpe inesperado, começaria a
discorrer em sua defesa:
“Sei do que me acusam. Noutros tempos, quando alinhava pelo vosso diapasão,
recolheria o rosto no sepulcro da minha infâmia e aceitaria o não direito de arrependimento.
Aceitaria a gravidade do que me é imputado. Hoje, nada disso me é dado a fazer.
Limito-me a comunicar que passámos, eu e os senhores que me acusam com toda
esta solenidade, com esta ausência de direitos básicos de defesa, a habitar lugares
diferentes. Já não há nada que tenha em comunhão com os que me acusam, que os
sei representantes da casta. Não vos reconheço autoridade punitiva. A não ser
para aquilo que me interessa: a expulsão com agravo, a menção desonrosa em meu
desfavor. Não me interessa o opróbrio que sobre mim façam abater. É irrelevante.
Deixou de ser contrariedade a destronar o sono. Hoje, nem sequer é contrafação.
Por isso, não suplico nada. Não redijo nótulas de arrependimento. Não contesto
a vossa autoridade, nem a abjuro; pois dela almejo o desiderato final: a expulsão.
E, ato contínuo, o esquecimento de mim. Essa seja a sentença. E que a justiça
seja célere. Implacável. Para o acusado rejubilar com a sentença que o condena.”