Mr. Herbert Quain, “Too
Late to Find Something in the Shadows”, in https://www.youtube.com/watch?v=lcDIPk4KuBM
Disse: “Devíamos proibir os relógios; melhor (porque a proibição seria
incapaz): devíamos destruir todos os relógios.”
Alguém que o ouvia, perplexo com
o protesto, agitado com demanda tão excessiva, quis saber mais. Obteve resposta
não demorada: “O tempo é um guerreiro
implacável. Não tem dó de nós. E o tempo é uma medida sempre célere, um vilão
que se apodera de todos os palcos e cobre seu manto sobre os nossos corpos
indefesos. Não quero ser penhorado pelo tempo. Não quero ser um seu acaso. E
dos relógios afinal sobra o opróbrio incontestável, a matéria incindível que
reacende feridas.” Será porque – disparou em forma de pergunta-provocação,
ainda inconformado com a proclamação virulenta – “dos relógios sobra a improfícua espessura da história? E da história
nem sempre se colhem os vestígios cómodos, ficando uma veste argilosa que
desarranja a pele?”
Desta vez a dilucidação ficou refém
de uns instantes de pensamento: “Esse é
um ângulo possível. O tempo – sabes? – tem múltiplos tentáculos. Olhes para
onde olhares, vês o tempo tirano a atirar as suas cinzas plúmbeas ou a ser
generoso e a deixar um dia soalheiro ter lugar no cais do olhar. Ao contrário
de ti, não dou importância ao excruciante vagar do tempo pretérito. Não o deixo
ser penhor. Insurjo-me contra a terrível voracidade do tempo que se escapa por
entre os dedos. Insurjo-me contra a ciclópica errância em que somos aquartelados,
este ciclo vicioso de nos sentirmos açambarcados pelo tempo fugaz e, mesmo
assim, querermos por ele passar à velocidade de um cometa. Já nem falo da
incompreensível hibernação que é o aforro do tempo atual como se fosse o
provedor de um sempre incerto tempo vindouro. Por isso reafirmo: os relógios
deviam ser banidos. Podia ser que não tivéssemos de olhar para o tempo como a
totalitária dimensão do ser.”
Ambos olharam em frente, sobre as
rochas à mercê do mar hostil. Olhavam para as rochas indefesas, como tinham
sido expostas à erosão do mar hoje hostil. Intuíam o entardecer e de como não
demorava a ficarem sem paisagem sobre o mar que começava a interiorizar as pálidas
cores do ocaso. A luz decadente, talvez a metáfora para as respostas que se
ausentavam. Ainda houve tempo para a derradeira interrogação: “devemos enganar o tempo, ou tudo fingir, até
não darmos conta que somos enganados por ele?”
O enfurecido interlocutor, em
interiores convulsões fermentadas no desaguisado com o tempo, não arranjou
tempo para responder a tempo antes da luz diurna desfalecer. Ainda não tinha
descoberto o sortilégio de matar todos os relógios à face do planeta.
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