Julia Holter, “Sea Calls Me
Home”, in https://www.youtube.com/watch?v=OERixQR-hxY
Os moinhos ostentavam as velas
garbosas à medida que desfilavam com a orquestração do vento. O vento era o amparo
preciso para função que aristocratizava os moinhos. Não fora por acaso que eles
tinham sido construídos na cumeeira, onde desde tempos ancestrais se dizia que os
ventos eram como um cavalo sem rédeas a galopar numa seara plana. Um punhado de
moinhos desenhava uma linha geometricamente precisa, ficando mais nítida a
cumeeira. Caiados de branco, sobressaíam na paisagem: se era inverno,
contrastavam com o verde extasiante dos prados que subiam até ao epílogo da
serra; no pino do verão, com os campos secos devido à estiagem, eram os moinhos
que emprestavam cor à paisagem desoladora.
As pessoas acostumaram-se a ver
as velas do moinho desembaraçarem-se com destreza, tanto era o vento que
parecia ser perene na cumeada. Quem se chegava perto das velas em andamento,
recuava instintivamente: as velas arquejavam um vento tonitruante que se somava
ao vento irrefreável. E, no entanto, havia gente que era visita habitual. Uns pastores,
por dever da função, enquanto pastoreavam os rebanhos. Um poeta em demanda de
inspiração (a crer pela frequência das visitas, dir-se-ia ser estatuto difícil,
a inspiração). Um casal de namorados, aproveitando-se do isolamento do sítio (não
era de crer que fossem admiradores da coreografia dos moinhos). Uns caminhantes
que subiam à cumeada antes de findarem o trilho no idílico vale onde o ribeiro
se alargava e ali se demoravam, apreciando a paisagem e, com mais demora, os
moinhos.
De repente, os moinhos pararam. O
vento ausentara-se, emigrado para lugares distantes. Os moinhos emudeceram no
silêncio contrariado das velas. À falta de vento (omisso), os moinhos entraram
em hibernação. Ao início, julgou-se ser uma anomalia temporária. Assim como
assim, a cumeada era reconhecida como pródigo ninho dos ventos. Quanto mais
passava o tempo e o vento continuava a não visitar o lugar, as velas dos moinhos
ganhavam artroses. Ficaram amordaçadas por falta de movimento. Quem olhava para
os moinhos e se habituou a vê-los garridos e frenéticos, notava-os tristes. O mais
certo era que fossem os habituais observadores dos moinhos, estranhando a sua
nova condição, a verterem a sua melancolia nos moinhos.
Uma vez, um pastor, revelando uma
sensibilidade invulgar, tentou fazer mover as velas de um moinho com a ajuda da
força braçal. Antes de o fazer, circundou o moinho e olhou demoradamente em
redor, só para se certificar que ninguém estava nas imediações. O moinho não se
moveu. E o pastor, em completo estado de tristeza, não conseguiu travar uma lágrima.
Os moinhos ganharam rédea. E perderam vida.
Oxalá o vento não teimasse furtivo e voltasse ao lugar que era seu por definição.
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