13.2.18

Listas negras (quem precisa delas?)


Wilco, “Impossible Germany” (live on KCRW), in https://www.youtube.com/watch?v=WBpDs-BfwO0    
Faz lembrar o pequeno livro negro do comunismo. Para alguns: as catástrofes que envergonham a condição humana precisam de ser avivadas a todo o tempo, para a sua peugada não ser perdida pelas gerações vindouras. Outros discordam da perenidade do passado, protestando contra a cal viva atirada para as feridas de antanho propositadamente mantidas em aberto. Não são a favor da ocultação da História, nem quando dela se extraem os episódios que mostram o pior da condição humana. Apenas não concordam que se deva manter acesa uma chama que é, ao mesmo tempo, uma dor viva e sem remédio. Do lado contrário contrapõem: a memória histórica é um dever, um módico de pertença das pessoas. Até para evitar o reavivar de pulsões que se julgavam sepultadas e que, todavia, se reacendem entre os destroços a que alguns condenam a memória histórica.
O procedimento com as listas negras depara-se com idêntica polémica. Uns preconizam que somos o que somos, em grande medida um alinhavo da idiossincrasia pessoal, mas também somos por antinomia. As listas negras têm um préstimo: precisamos de saber ao que não aderimos, o que nos causa repulsa (por mais negativa que seja a palavra), as ideias de que divergimos (e por que delas divergimos), as pessoas com quem não temos identificação (e a respetiva razão). Tanto importa acentuar a identidade própria como lançar âncora às listas negras como parcial intervenção no sentido de afirmar uma personalidade – neste caso, por oposição. Negar algo, recusar uma ideia por manifesta desidentificação, situar nos antípodas de alguém que, por mais que custe, figura entre as pessoais irritações – tudo serve para congeminar uma identidade.
Do lado contrário: argumentação que desvaloriza as listas negras. Qualquer um sabe o que não reúne as suas preferências (formulação menos contundente, sem dar crédito a um olhar pela negativa). Às vezes, os eufemismos são preferíveis para aliviar a carga negativa de uma apreciação que dá ênfase ao elemento malquisto de uma lista negra. Não se pode aceitar que uma lista assim chamada contribua para a formação de uma identidade. Não nos moldamos por antítese, pois ao fazê-lo estamos a conferir importância ao que declaramos desimportante. Uma identidade que tem em seu húmus o fermento da antinomia é uma identidade frágil. Não se pode alimentar de interiores paradoxos.
O dilema inteiro é saber se somos capazes de barrar a entrada às influências que recusamos. É certo: são recusadas tais influências e, como tal, elas não servem de ingrediente na formação da identidade. Porém, por vezes as coisas são binárias. A inadmissibilidade de algo pode ser critério para desenhar uma identidade. Ainda que não seja reconhecida como tal. As listas negras são inúteis, mas da sua indagação se pode deitar a ganhar, em parte, o conhecimento de uma identidade.

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