Blur, “Out of Time”, in https://www.youtube.com/watch?v=SRkX1Up1vnc
Tenho um defeito (enfim, são
muitos): desconfio de alguém que atira pedras a outrem, sendo o acusatório
libelo algo de que protesta ser entorse aos “bons costumes”. Nessa altura desconfio
que o acusador padece do mesmo mal e se enovela em dilemáticas dores
interiores, descarregando-as sobre o alheio que ostenta tais vícios privados.
Ou então, o Torquemada de trazer por casa destila uma inconfessável inveja
disfarçada de libelo acusatório; como ele gostava de ser agraciado com tais
deleites.
A igreja católica tem inúmeros
problemas. São os seus problemas, com os quais nada tenho a ver, pois um
observador exterior (eufemismo para ateu) não se deve importunar com os
trabalhos internos da igreja. Quando a santa igreja decreta imperativos
comportamentos aos fieis, não consigo deixar de meter o bedelho. Bem sei que
tais deveres se não me dirigem, por causa da irremediável perdição pessoal do
ateísmo. O que me transtorna, é como pode a santa igreja legiferar sobre os
comportamentos das pessoas de que se diz serem seu rebanho. Sobretudo em matérias
que, de acordo com os cânones aplicáveis, são de desconhecimento vivencial da
hierarquia eclesiástica (ou deviam ser).
O cardeal de Lisboa decretou: os
que já caíram no terrível pecado do divórcio e que voltarem a sucumbir ao apelo
do matrimónio, repetindo a dose, que limitem os danos de tão irreparável
estatuto (o divórcio que antecedeu o segundo – ou o terceiro, ou quarto, e por
aí fora – matrimónio) através da abstinência sexual. Se bem me recordo, as leis
da igreja (e as civis também) admitem a possibilidade de anulação de um
casamento desde que não tenha sido consumado. A consumação remete para a existência
de sexo entre os consortes. Chama-se a isto “casamento rato e não consumado”.
(Ainda hoje estou para perceber por que se convencionou que um casamento a que
faltou consumação é “rato”.) Se é possível anular um casamento porque os
matrimoniáveis não diligenciaram os prazeres carnais, como se pode defender um
casamento (o que for posterior à infâmia do divórcio) se se impetra a ausência
de sexo?
Não me importam as incoerências
da santa igreja católica – é um problema que eles têm de resolver. Já me incomoda
que haja pessoas (os fieis) que se sintam acossados pelas superiores determinações
da hierarquia eclesiástica, sobretudo quando essas determinações possam entrar
em conflito com a sua natureza enquanto pessoas. Que se saiba, o sexo ainda não
deixou de fazer parte intrínseca da natureza humana, por mais que a santa
igreja insista em pespegar um rótulo maquiavélico ao sexo.
Ponto da situação (para se tentar
entender este risível episódio): duas pessoas enamoram-se e decidem contrair
matrimónio; sobre elas (ou uma delas) pesa o jugo de divórcio anterior; se as
pessoas se enamoram, é porque existe atração (da qual faz parte a atração física);
essa relação pede sexo; a santa igreja manda dizer que se podem casar, mas
devem reprimir os deletérios desejos carnais.
De uma vez por todas, a igreja é
uma entidade castradora.
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