Alexis Taylor, “Beautiful
Thing”, in https://www.youtube.com/watch?v=ZbijIkLgY44
Um véu denso sobre o olhar turva
a clareza do mar. Serão os segredos escondidos pelo mar a pregar uma partida. Parece
que esses segredos não admitem confissão. Faz parte da sua intrínseca natureza.
Não é por acaso que são segredos. Seria uma contradição de termos se os
segredos quisessem ser matéria de público conhecimento. Por isso, são segredos:
matéria impenetrável, apenas aberta à especulação dos olhos sobre eles
curiosos, fecundando mitos urbanos e devaneios sobre sereias e civilizações
perdidas e naus de antanho naufragadas em abismos inacessíveis.
São segredos que o mar não conta:
o seu nervo fundamental, tal como as pessoas ocultam segredos que reputam matéria
inconfessável. Umas vezes, segredos que, se fossem contados, seriam terramotos
devastadores. Outras vezes, segredos irrelevantes, na sua ausente contundência.
O mar contem destes segredos. Olha-se para o mar, para a sua quase infinidade,
para o horizonte que deixa em aberto a vastidão, e deitam-se em espiral
perguntas sobre os segredos escondidos nas profundezas do mar. Tudo à nossa
volta contém destes segredos, também.
Às vezes, alguns segredos cansam-se
de o ser e fundeiam num areal ao acaso. Nunca foram avistados sereias, vestígios
do que se pudesse considerar civilizações perdidas, nem tesouros
desalfandegados da lonjura de uma fenda abissal no meio do oceano. Isto não é
prova categórica de que não há sereias, vestígios do que se pudesse considerar
civilizações perdidas, nem tesouros desalfandegados da lonjura de uma fenda
abissal no meio do oceano. Que ninguém dê por não provado o que não foi possível
denegar. Um segredo só perde os seus pergaminhos depois de se saber que fora um
segredo e que, com a sua revelação, deixou de ser. A semântica obriga a
revisitar as palavras devidas. Era segredo antes de ser conhecido como tal. Como
segredo, possui uma efémera dimensão. Dantes não o era, por ninguém o conhecer
como tal; mal os olhos públicos chegaram ao seu conhecimento, deixou de ser
segredo. É como o véu denso em que se emacia o mar, turvando o olhar que sonda
a sua clareza.
Não se sabe, nem é matéria para
adivinhadores afamados, inventariar os segredos escondidos nas águas do mar. Mas
não é ininteligível empreitada esquadrinhar os segredos do mar. A natureza
humana sempre foi dada ao fantástico. Os sonhos ainda não foram proibidos – nem
sequer os que são feitos quando estamos acordados.
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