22.2.18

Os segredos que o mar não conta


Alexis Taylor, “Beautiful Thing”, in https://www.youtube.com/watch?v=ZbijIkLgY44    
Um véu denso sobre o olhar turva a clareza do mar. Serão os segredos escondidos pelo mar a pregar uma partida. Parece que esses segredos não admitem confissão. Faz parte da sua intrínseca natureza. Não é por acaso que são segredos. Seria uma contradição de termos se os segredos quisessem ser matéria de público conhecimento. Por isso, são segredos: matéria impenetrável, apenas aberta à especulação dos olhos sobre eles curiosos, fecundando mitos urbanos e devaneios sobre sereias e civilizações perdidas e naus de antanho naufragadas em abismos inacessíveis.
São segredos que o mar não conta: o seu nervo fundamental, tal como as pessoas ocultam segredos que reputam matéria inconfessável. Umas vezes, segredos que, se fossem contados, seriam terramotos devastadores. Outras vezes, segredos irrelevantes, na sua ausente contundência. O mar contem destes segredos. Olha-se para o mar, para a sua quase infinidade, para o horizonte que deixa em aberto a vastidão, e deitam-se em espiral perguntas sobre os segredos escondidos nas profundezas do mar. Tudo à nossa volta contém destes segredos, também.
Às vezes, alguns segredos cansam-se de o ser e fundeiam num areal ao acaso. Nunca foram avistados sereias, vestígios do que se pudesse considerar civilizações perdidas, nem tesouros desalfandegados da lonjura de uma fenda abissal no meio do oceano. Isto não é prova categórica de que não há sereias, vestígios do que se pudesse considerar civilizações perdidas, nem tesouros desalfandegados da lonjura de uma fenda abissal no meio do oceano. Que ninguém dê por não provado o que não foi possível denegar. Um segredo só perde os seus pergaminhos depois de se saber que fora um segredo e que, com a sua revelação, deixou de ser. A semântica obriga a revisitar as palavras devidas. Era segredo antes de ser conhecido como tal. Como segredo, possui uma efémera dimensão. Dantes não o era, por ninguém o conhecer como tal; mal os olhos públicos chegaram ao seu conhecimento, deixou de ser segredo. É como o véu denso em que se emacia o mar, turvando o olhar que sonda a sua clareza.
Não se sabe, nem é matéria para adivinhadores afamados, inventariar os segredos escondidos nas águas do mar. Mas não é ininteligível empreitada esquadrinhar os segredos do mar. A natureza humana sempre foi dada ao fantástico. Os sonhos ainda não foram proibidos – nem sequer os que são feitos quando estamos acordados.

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