Throwing Muses, “Not Too
Soon”, in https://www.youtube.com/watch?v=RZI-FTcFtn8
Um pouco diletante, os tiques
eruditos a preceito para passar a imagem de intelectualidade não bolorenta, era
capaz de ser a síntese entre o burguês (embora disfarçado) e o homem que mantinha
as referências todas das revoluções – das justas revoluções, as que se
amotinavam contra a opressão dos ricos. Por isso, burguês disfarçado: não podia
dar o braço a torcer, os meios que frequentava continuavam tributários do
marxismo e da luta de classes. Também por isso, os burgueses hábitos (maldito
hedonismo que entrava em choque frontal com os dogmas) eram frequentados em
segredo.
As contradições internas
atropelavam a desarmonia em que decaía a coerência (no fundo, a incoerência). Ele
via a coerência sumir-se num fino fio que se perdia à medida que os prazeres
interiores, inconfessáveis perante os da mesma casta, transgredia a ortodoxia. Não
se considerava um pós-moderno. Preferia estar um passo atrás, na maré da
modernidade. Já chegavam outras consumições. Não precisava da tirania do
pensamento encavalitado em sucessivos poréns, em calafrios que o torturavam de
cada vez que a teoria esbarrava na prática (e de como os fúteis prazeres
burgueses tinham um apelo irrefreável).
Talvez por isso, moderara a sede
de protagonismo. Moderara as intervenções em público, remetendo-se a um perfil também
modesto. A páginas tantas, nem sabia se a hibernação se devia à miríade de hábitos
burgueses que não conseguia recusar, ou se era por ter ficado para trás, não trepando
a árvore do pós-modernismo. Talvez fosse isto tudo, por junto. O atávico modernismo
era propositado. Assim como assim, fora suplantado pelos peritos que sufragavam
novas correntes, o pós-modernismo; a esses, o palco. Ele ficava para segundas núpcias
no mercado dos eruditos que marcavam a agenda dos progressistas. Era fácil decair
nos incorrigível mundano burguês sem que alguém fosse pedir contas, sem que se
prestasse a um julgamento sumário, acusado de um desvio sinónimo de traição.
O que podia fazer? Os instintos
ecoavam, telúricos, nas veias abertas à perfídia dos frívolos prazeres alojados
num universo que sempre detestara. Era mais fácil torcer o braço e aceitar os
prazeres burgueses, sem alguma vez o confessar a ninguém (ninguém!), do que sentir-se
pária entre os seus. Se imaginava a culpa que seria imputada ao serem
descobertos os prazeres secretos, não imaginava suportar a responsabilidade.
A culpa não era sua. Era do insuportável
peso da responsabilidade. Ele, como mero adereço, talvez podre pela heresia não
assumida, peça insignificante na imensa roda dentada do mundo, não conseguia
assumir a infâmia.
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