Tricky, “Overcome”, in https://www.youtube.com/watch?v=ViHiOopNTlc
(Mote: ex-presidente
da câmara de Marbella foi detido depois de ter sido apanhando a dançar flamenco)
Ou: mais vale não ser apanhado em
tristes figuras, para não sermos trastes em avançado estado de risibilidade. Ou
ainda: quem não tem as suas fragilidades? E que serventia tem escondê-las, se
elas não se evaporam por mais diligente que seja a ocultação?
O ex-presidente da câmara de
Marbella não resistiu ao pé de dança. Foi motivo para cárcere. É o que penso de
mim enquanto (impossível) dançarino. As tristes figuras em que me vejo, desconjuntado
e desorientado, metido num varapau (meu) que é, ao mesmo tempo, chão para escarnecimento
alheio (pelo menos, é a impressão que tenho enquanto ensaio um desestruturado
bamboleio), tamanho cenário não é bom conselheiro de um casamento entre a minha
pessoa e a dança. O que sinto é como se estivesse sob o efeito de substâncias
psicotrópicas sem ter a noção das risíveis figuras. Com a diferença que não
estou sob o efeito de substâncias psicotrópicas e admito que quem o esteja não fique
em condições para fazer uma avaliação consciente das tristes figuras que possa
fazer.
Há dias, vi um vídeo em que o
cineasta João Botelho explicava, em tom profundamente pedagógico, que não há código
de conduta para a dança. A dança é epítome de liberdade. Botelho referia-se à
dança que se pratica ao som de música de dança nas suas mais diversas modernas
configurações (house, trip hop, acid house, música eletrónica, em geral). É só libertar o corpo, deixá-lo
falar enquanto se contagia com a música que passa. Nada mais interessa, se não
o vórtice de sensações expelidas pelo corpo que assume a forma de vulcão, em
eruptivos movimentos. Que nada mais interessa: sobretudo, os outros, que à
volta estão no mesmo momento imersivo.
E eu, que não me consigo
desprender deste pessoal, inextricável, preconceito: dançar é uma violência
interior. Não o faço. Porque me sinto risível. Para mim mesmo – os outros nem
contam. Tão desconcertantemente inábil que prefiguro a possibilidade de cometer
um crime de lesa-majestade estético. E antes que dê com os ossos na prisão, prefiro
estar aqui quieto e apreciar interiormente a boa música que é companhia de
todos os dias.
(Sejamos tributários do rigor: o ex-autarca
foi preso porque se meteu na dança e, para o fazer, não respeitou a prisão
domiciliária em que se encontrava.)
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