2.2.18

Não dançarás sob pena de seres detido

Tricky, “Overcome”, in https://www.youtube.com/watch?v=ViHiOopNTlc    
Ou: mais vale não ser apanhado em tristes figuras, para não sermos trastes em avançado estado de risibilidade. Ou ainda: quem não tem as suas fragilidades? E que serventia tem escondê-las, se elas não se evaporam por mais diligente que seja a ocultação?
O ex-presidente da câmara de Marbella não resistiu ao pé de dança. Foi motivo para cárcere. É o que penso de mim enquanto (impossível) dançarino. As tristes figuras em que me vejo, desconjuntado e desorientado, metido num varapau (meu) que é, ao mesmo tempo, chão para escarnecimento alheio (pelo menos, é a impressão que tenho enquanto ensaio um desestruturado bamboleio), tamanho cenário não é bom conselheiro de um casamento entre a minha pessoa e a dança. O que sinto é como se estivesse sob o efeito de substâncias psicotrópicas sem ter a noção das risíveis figuras. Com a diferença que não estou sob o efeito de substâncias psicotrópicas e admito que quem o esteja não fique em condições para fazer uma avaliação consciente das tristes figuras que possa fazer.
Há dias, vi um vídeo em que o cineasta João Botelho explicava, em tom profundamente pedagógico, que não há código de conduta para a dança. A dança é epítome de liberdade. Botelho referia-se à dança que se pratica ao som de música de dança nas suas mais diversas modernas configurações (house, trip hop, acid house, música eletrónica, em geral). É só libertar o corpo, deixá-lo falar enquanto se contagia com a música que passa. Nada mais interessa, se não o vórtice de sensações expelidas pelo corpo que assume a forma de vulcão, em eruptivos movimentos. Que nada mais interessa: sobretudo, os outros, que à volta estão no mesmo momento imersivo.
E eu, que não me consigo desprender deste pessoal, inextricável, preconceito: dançar é uma violência interior. Não o faço. Porque me sinto risível. Para mim mesmo – os outros nem contam. Tão desconcertantemente inábil que prefiguro a possibilidade de cometer um crime de lesa-majestade estético. E antes que dê com os ossos na prisão, prefiro estar aqui quieto e apreciar interiormente a boa música que é companhia de todos os dias.
(Sejamos tributários do rigor: o ex-autarca foi preso porque se meteu na dança e, para o fazer, não respeitou a prisão domiciliária em que se encontrava.)

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