6.2.18

Claraboia

Faith No More, “Stripsearch”, in https://www.youtube.com/watch?v=-_U6165DVeM    
O lenço baço cobre os olhos. Os olhos ficam impedidos de ver. Todavia, aceita o repto: “fecha os olhos, tenho uma surpresa para ti.” O irrecusável apetite por enigmas é a passadeira que se estende para aceitar os olhos vendados. Vá-se lá saber o que virá desembrulhado depois de os olhos se cindirem no objeto surpresa, mal sejam desvendados.
Enquanto permanecem dentro da cortina à prova de luz, pensamentos contraditórios enxameiam a espera. A surpresa pode fazer jus à etimologia: os olhos reabertos saciam-se no inesperado, mas recompensador, desfecho. Ou o contrário: há surpresas com mau fim. Nesta miríade de pensamentos divergentes, começa-se a impacientar. Se há alturas em que a adrenalina toma conta do sangue, convencido que será uma surpresa que merece ficar emoldurada nos atos pretéritos, noutras alturas é acometido pela apoplexia, desconfiando que a surpresa pode ser um ardil e ele a sua vítima.
Refreia a febril indiscrição. À passagem do tempo, o sobressalto sobrepõe-se à metade que admite um bom fim para o enigma. A impaciência lateja na jugular. Sente umas pequenas gotas de suor frio a escorrer pela lateral do rosto e a tomarem conta da curvatura entre os músculos lombares. As próprias mãos estão suadas. E, contudo, aquele lugar ermo está frio. Não se justifica o suor quando está um frio ambiente. A secura apodera-se da boca. A língua procura o contínuo massajar dos lábios terçando contra a pele ressequida. Já não consegue estar imóvel na marquesa. Está nervoso e sente cada milímetro da inquietação do corpo. O silêncio é maçador. Magoa por dentro, como se as entranhas estivessem a ser invadidas por música ruidosa, ou por música que gravita nos antípodas da sua estética condição, ou por palavras ditas por pessoas entronizadas no altar das irritações.
Não consegue esperar mais tempo. Ainda pergunta “está aí alguém?”. Continua servido um denso manto de silêncio. Não há vozes, não há sequer o menor rumorejo da presença de corpos. Leva a mão ao lenço baço que tapa os olhos. Hesita. Por um momento, interroga-se que cominação será imposta se aquela for uma regra que se prepara para rasgar, mal a mão suba o lenço baço. Não quer saber do jogo. Não se importa que a impaciência seja punida.
Os olhos estão sem a venda opaca. Espreitam por uma pequena claraboia que os dedos ajudaram a congeminar. Mesmo assim, os olhos continuam sitiados no crepúsculo do lugar.

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