dEUS, “Sister Dew”, in https://www.youtube.com/watch?v=l6SwB_ZQsq4
(Outro narrador.) Que importam os
desaguisados da pertença?
Se sou o eu intrínseco que goteja
das veias, ora incandescente, ora reflexivo, propositadamente inerte quando sou
reflexivo. Ninguém, se não eu, sabe da quimera encontrada nos momentos lisérgicos
que, pela sua raridade, são a alma do ouro. Não afirmo um ensimesmar patológico:
sei que as derivas narcisistas dispõem o eu num falso pedestal, sujeito às
dores excruciantes de uma aterragem forçada.
Procuro as pétalas desse ouro
entre as pedras, entre as fráguas de um rio bravio, nos rochedos acessíveis com
a maré-baixa onde medra o limo, no avesso de páginas que julgava conhecer de
cor. Procuro o sangue fervente na orla de um vulcão. Procuro, entre os
ingredientes de um repasto requintado, o segredo da sua alquimia. Procuro o
selo de uma vida repleta, úbere da inspiração, fremente no trono de onde se
avistam todas as demais coisas.
Não quero proeminência. Não quero
que qualquer forma de poder venha desaguar nas minhas mãos. Considerá-lo-ia
castrador. Um contrassenso sem remissão. Pois assustam-me os exemplos de gente
que subiu os degraus até exibir o poder que detém, numa ostensiva embriaguez de
poder que é usado apenas pelo deleite de ser ostentado, apenas para reduzir os
suseranos ao seu irrelevante papel: figurantes sem qualquer outra serventia. Não
quero tamanha sentença de morte. Porque da morte de mim mesmo se tratava: a
sobranceria ufana, um certo complexo de farda, o poder pelo poder, sem qualquer
outra materialização tangível. Um esbanjamento.
Prefiro a sentença de vida que desvia
dessas empedernidas avenidas que tanto encantam uma multidão. Prefiro o incógnito.
O desagendamento de empreitadas, no aleatório fluir do tempo e no espontâneo
exercício da vontade. Prefiro mergulhar na poesia musical, na filosofia densa,
ou num texto improvável de que se frui lição inesperada. Prefiro uma miríade de
pequenas coisas como satélites do meu universo. Prefiro o entardecer à frente
do mar contando as ondas, uma a uma – uma a uma –, o canto das gaivotas estridentes,
o distante murmúrio das crianças que terminam a jornada escolar, ler folhetos
que mostram cidades que se mostram ao desejo do conhecimento, o singelo e,
todavia, telúrico beijo matinal da mulher amada, os olhos bem abertos à
novidade que desfila, o critério afivelado em interiores matrizes que enjeita umas
possibilidades e cauciona outras.
Prefiro ter a certeza (outros
diriam, mais parcimoniosos: a esperança) do envelhecimento tardio. Quero esta sentença
de vida: que vergue o braço ousado da morte à contagem de muitos calendários.
Quero dizer, do fundo de mim até ao mais superficial da sua compostura: vamos à
vida. Inteira e sem estorvos.
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