12.7.18

A morte é que está um negócio que se recomenda

Interpol, “The Rover”, in https://www.youtube.com/watch?v=cKDq5dc4wO8
Fazendo fé nas estatísticas mais recentes, morreram mais dezoito pessoas por dia do que no ano passado. Os analistas confirmam que se deve ao envelhecimento. Como somos geralmente mais velhos, morremos mais. Dores de parto dos avanços da civilização: se não fosse pelos desenvolvimentos da tecnologia e dos cuidados de saúde, não teríamos tão elevada esperança de vida. Quanto mais idosos houver, maior é a probabilidade de se sucederem os óbitos. É a lei da vida (se assim se pode dizer, sem correr o risco de cinismo). É a lei das probabilidades: os idosos morrem mais.
Os gurus do empreendedorismo devem andar desatentos. Ainda não deram conta da morte – e aqui “dar conta” tem o significado da identificação de uma oportunidade de negócio (pois não é essa a cartola de onde os gurus do empreendedorismo tiram uns proveitosos coelhos?). Se há mais gente a morrer e é preciso dar-lhes funeral a condizer, devia soar um alerta de negócio. É o que eles chamam, na sua peculiar linguagem, uma “oportunidade de negócio”.
Admito que seja de mau gosto tratar a morte como uma oportunidade de negócio. Todavia, o pragmatismo assim ordena. Da última vez que ouvi falar, fez-se constar que a morte está pela hora da morte; um funeral não é coisa de meia-dúzia de tostões. E se forem mais os funerais em carteira, mercê do aumento do número de óbitos – por sua vez, mercê do aumento de pessoas idosas – é só uma questão de cálculos e de apreciar a possibilidade de os réditos associados às cerimónias fúnebres crescerem com a exponencialidade dos féretros que se apresentam ao cuidado dos cangalheiros.
Também admito que não seja profissão agradável e negócio com credenciais. Assim como assim, diz-se que todos fugimos da morte (pelo menos enquanto pudermos). Os cangalheiros não têm ordem profissional – e ele agora há tantas ordens profissionais, para toda e qualquer profissão, que a ausência de uma ordem dos cangalheiros é sintomática de um certo desprestígio social da função. Pudera! Ninguém se abeira de uma empresa de prestação de serviços fúnebres de ânimo leve. 
Se a pessoa que considera a possível recomendação de um guru do empreendedorismo (se não for o próprio guru a agarrar-se à oportunidade com as duas mãos), não pode ficar refém destas considerações morais sobre o tratamento da morte. Como ensinam aqueles gurus, nos negócios impera o pragmatismo. Com tudo se faz dinheiro, se a oportunidade for identificada e o negócio devidamente estudado, preparado e montado. Se ainda por aí tanto morto, e tanto candidato a morto, e se todos têm se ser enterrados (e uns quantos incinerados), o pudor em tratar a morte como ramo de negócio é inconsequente. Como diz o povo, se a morte é das poucas garantias que temos, o negócio dos cerimoniais fúnebres merece o devido tratamento como garantia de negócio. 
A morte, essa coisa irremediável e em intensificação, é o úbere do ramo de negócio que trata da morte.

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