20.7.18

Geografia armadilhada


Indignu com Manel Cruz, “Nem só das cinzas se renasce”, in https://www.youtube.com/watch?v=pzLRt27R5HQ
Desta vez não se guardam as coordenadas para memória futura. Num salto por cima do precipício, a esquadria de uma geografia absurda. Dá-se corda à ignorância: talvez nunca se tenha olhado para um mapa e nem as coordenadas (ou os rudimentos de uma rosa-dos-ventos) sejam conhecidos por jovens cada vez mais imberbes no conhecimento comum. Trocam as mãos pelos pés: de repente, o Chile foi transferido para a geografia europeia e Checoslováquia (sic), Islândia e Noruega são situados no sul da Europa. Ou à pergunta “que país tem Varsóvia como capital”, esbarra-se num silêncio fundo.
E, todavia, a geografia tem um lugar próprio. É um pouco como o sinal de pertença que diz respeito às pessoas, só que mudado para os lugares. Há mapas elucidativos. O que está em falta, é um módico de curiosidade para saber do paradeiro dos lugares. Não sei se o desinteresse (ou pura ignorância – ou uma mistura de ambos) não é sintoma de um ensimesmar que vem contra a maré cosmopolita que é herança do avanço das tecnologias. Há algo de paradoxal nisto: por um lado, nunca foi tão fácil viajar para qualquer lugar, nunca foi tão fácil estar em contacto com pessoas em lugares que estão nos antípodas do nosso; e, todavia, prevalece o desconhecimento sobre a pertença geográfica de outros lugares. As pessoas ouvem falar de países longínquos e não sabem onde ficam – nem têm o interesse em perder uns minutos a olhar para a cartografia do mundo para descobrirem o paradeiro do lugar.
Pode ser do desinteresse que alastra. Pode ser uma manifestação de boçal ignorância (como pode alguém não se incomodar em saber do paradeiro de um determinado lugar e depois invocar o nome desse lugar nas suas proclamações, em autêntico tiro no pé?). Ou pode ser apenas uma manifestação de exiguidade mental. O olhar limita-se ao pequeno domínio que alcança. Um certo paroquialismo que se confunde com o comodismo de quem considere ser vultuosa empreitada espreitar por cima do ombro e ir além da sua zona de conforto. Os outros deixam de ter interesse. Por arrastamento, os outros lugares ficam perdidos na apneia do desconhecimento.
Este ensimesmar é um contrassenso. Quem se confina à sua exiguidade contenta-se com uma lógica de mínimos. Faz algum sentido. Tenho a noção de uma certa preguiça do conhecimento – ou do acantonamento de interesses, reduzidos a limites exíguos – que não é boa conselheira de um conhecimento que se pulveriza. Pensar custa, cada vez mais. Descobrir é uma canseira. Dentro destes muito limitados quadros mentais, antes ficar sitiado à pequenez dos próprios lugares de que avivar a memória futura com lugares outros. Nesta fratura de gerações, penso como quem assim se comporta está nos antípodas de gerações muito anteriores que foram pelo mundo fora descobrindo novos mundos. (Sem ofensa aos que abjuram a utilização da palavra descobrimento – ou descoberta – no contexto da História, proscrita pela narrativa atualmente bem pensante.) Como pode ser tão grande o contraste, a fratura de gerações? Como pode haver tanta geografia armadilhada?

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