13.7.18

Um cavalo no telhado


Band of Horses, “The Funeral”, in https://www.youtube.com/watch?v=q90-yWkMW2w
No cachaço da improvisação, há umas telhas procrastinadas (por não terem chegado a sair do armazém) que contam histórias em seus escondidos milímetros. É como se aprendêssemos a apneia e fôssemos capazes de resistir largos minutos sem respirar quando mergulhamos nas águas pouco recomendáveis do jardim centrípeto. Dizem os cisnes nas imediações que, à noite, umas ninfas hipnotizadas se despojam do vestuário e entram nuas nas águas, simulando um êxtase respeitável. Mal se soube do rumor, brigadas de ativistas de voyeurismoficaram de atalaia pela noite fora. Não puderam espumar pelos cantos da boca o desejo tribal, pois as ninfas não responderam à chamada. 
Do outro lado da cidade, ainda é cedo para abrir a galeria de arte. O curador, ensonado como é costume, profere impropérios contra a manhã. Nem o café duplo o traz das trevas soporíferas onde a mente se sequestrou. Faz conversa de circunstância com a dona do café, uma mulher polaca que fugiu da democracia e tem saudades dos tempos da omnipresença soviética. Têm algo em comum: o curador da galeria de arte transitou pelas hostes comunistas nos seus áureos tempos de conquistador de corações femininos. Evitam falar de política. Houve um dia, a proprietária do café tomou conhecimento que o curador da galeria de arte era dissidente da causa pelos direitos dos trabalhadores contra a opressão dos detentores do pornográfico capital. (Para um comunista, um ex-comunista é perenemente dissidente.) A mulher ficou possuída e atirou o aquário à cabeça do curador da galeria de arte. Pobres dos peixes, despejados do seu habitat, nunca mais se recompuseram. Reagem ao contrário dos touros, quando dão de caras com o vermelho: ficam anestesiados, rezando (se é que os peixes se podem considerar criaturas tementes) para a proprietária do café não ter um ataque de fúria.
Do outro lado do mundo, um canguru fugiu por um triz do atropelamento por um autocarro carregado de turistas ávidos de neófitas paisagens e de um cosmos singular. Safou-o uma cambalhota no último momento. O condutor da carrinha não deu conta: vinha distraído, a olhar de esguelha para os comentários a uma fotografia que publicou numa rede social (em total contravenção do código da estrada). Os turistas exultaram. Acreditaram que o acontecido fora uma encenação para turista ver. Aplaudiram o motorista, para seu espanto (ainda não percebera o que se tinha passado). Com tanta algazarra, o motorista estacionou o autocarro. Alguns turistas saíram ainda antes do autocarro ter parado. Queriam aplaudir o canguru. O animal ainda estava a recuperar da imagem da morte que passou à frente do olhar. Antes de fugir do local, esticou o dedo do meio na direção dos turistas.
Do outro lado da televisão, um cavalo refugiou-se no telhado. Não é uma metáfora surrealista; o cavalo fugiu da enxurrada algures no Japão, que trouxe água quase ao nível dos telhados das casas.

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