Indignu, “Santa Helena” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=SXXUt39Cmxk
À exceção dos loucos, que não percebem o que se passa. À exceção das crianças, que não sabem como é a noturna incubação do destempero. À exceção dos empenhados ao tempo, que sabem estar em falta no conciliábulo do tempo. À exceção dos sacerdotes de religiões várias, que vivem encerrados na existência monástica. De resto, a terra de fogo unge os corpos trespassados e desfaz o medo a uma memória distante, indelével. Pois é nesta lava sublime que se reavivam, que temperam as angústias (que possam ser assalto) com um consolo sem freio.
Na terra do fogo, andamos em brasas e não é como naqueles acontecimentos esotéricos em que um autoencartado guru das almas as convence que com a força da mente podem andar em cima de pedras abraseadas. Andamos em brasas: pois os corpos dançam no chamamento uns dos outros, numa servidão consentida que ergue castelos no ar, decompõe as fissuras das muralhas, se embebe na vasta albufeira e faz ferver as suas águas. A terra do fogo – protestam uns desvalidos condenados à algidez – é uma capitulação das almas aos perfunctórios corpos que se lhes sobrepõem, como se tudo fosse matéria carnal e os apoderados pelo desejo fossem despojados da sua alma, banais circunstantes iludidos por um império da vontade que não têm.
A terra do fogo ensina que a carne a e alma se transmutam. Como os corpos emaranhados participam numa simbiose a que os preclaros sacerdotes da decência (os assim autoproclamados) protestam como sedimento de promiscuidade. E acrescentam ao libelo acusatório: a promiscuidade é decadente. Aprendessem com os arquitetos da terra do fogo: os tabus não têm cabimento; os ponderosos julgamentos da moralidade alheia cristalizam uma certa inveja, talvez por inépcia, talvez por capitulação aos soezes preconceitos que são esteio inamovível. A terra do fogo ensinar-lhes-ia que não há limites no horizonte. Seriam devolvidos à primária essência, desprovidos dos graníticos alicerces em que se escoram, convencidos a desfilar um rol imenso de interrogações sem serem obrigados a esquadrinhar respostas. Pois o princípio de todas as ações é a falência dos imperativos categóricos.
Seria a sua aproximação à terra do fogo. Vagarosamente. Sem caírem no logro da precipitação. Pois a terra do fogo é (protestam os críticos) um lugar de exageros – e não faria sentido virar a página de um exagero para outro que lhe é diametralmente oposto. Seriam instruídos em metódico tirocínio, para saberem dos deleites caucionados pela terra do fogo para, em etapa posterior, serem convidados e inventarem a sua própria criatividade. Poderiam desenhar com as mãos suadas os delimites por onde se movem.
Depressa a conversão habilitá-los-ia ao olvido do lugar de onde vieram. Nem dariam importância aos ainda existentes sacerdotes da decência que protestam contra a terra do fogo. A atenção, só a merece quem habita no mesmo lugar mental. Não se pode (outra lição da terra do fogo) estender a mão de um deleite a quem está estruturalmente imune (ou assim se exibe).
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