17.7.18

O verniz disfarça, ou o verniz embeleza?


Siouxsie and the Banshees, “Cities in Dust”, in https://www.youtube.com/watch?v=wsOHvP1XnRg
Reparem: aquela parede antiga parece nova. Pintaram-na de novo. Já não oferece aquele aspeto decadente, de coisa que tinha sido abandonada, ou pelo menos negligenciada, pela usura da indiferença. Sobre duas demãos de tinta, um verniz reluzente para acicatar as reavivadas cores.
Os olhos habituais (os que se intrometem no espaço da parede) não podem disfarçar a exultação. Os sentidos são sensíveis e as cores avivadas pelo requinte do verniz despertam os processos químicos interiores que disparam o alarme do bem-estar. Sobretudo aos olhos habituais, pelo termo de comparação: dantes, era uma parede no limiar da escombreira, estilhaçada, desprovida de cor, uma bandeira hasteada que soprava os tétricos ventos da decadência. Porventura, alguns olhares desviavam a parede do seu campo de observação. Não queriam a agressão visual, autêntica poluição do olhar. Agora que a parede se revestiu de cores neófitas e foi ajanotada por um verniz luminoso, o olhar habitual sente-se desafogueado. Outros depreciam a reinterpretação da parede: ela esconde a parede sob a fina camada de tinta e de verniz. A cintilação é uma pose que não combina com os poros estruturais da parede.
A parede não é a mesma? Tornou-se instrumento de um processo de rejuvenescimento à mercê das tintas coloridas e do retoque final do verniz. Mas a parede é a mesma. Estruturalmente igual. O que difere é a capa exterior através da qual a parede se apresenta ao mundo (também exterior). Pergunta-se: o tratamento estético não foi apenas isso – estético –, sem alterar as interiores moléstias que já apoquentavam a parede ao ponto de ela estar no limiar da decadência? Ou, ao contrário, tem cabimento disfarçar as ruínas potenciais com uma demão de tinta garrida e outra de verniz refulgente? 
E quem se importa com a resposta, se ela for intrusa na carne própria de quem se submete à estética reconversão? Cada um terá a sua resposta. Que a guarde. Que se dispense dos juízos de valor, por exemplo, como acontece quando se descobre uma atriz deslumbrante despojada de maquilhagem e se descobre, também, que na comparação com as públicas fotografias aparece irreconhecível? Não cuidam dos fingimentos se não os que a eles se emprestam. Os demais, cuidem dos seus interiores pecadilhos e não se escondam deles através do escrutínio dos outros. Pois o refúgio no verniz dos outros pode não ser se não um verniz (assim não reconhecido) por quem dele se serve.

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