26.7.18

Pecar por defeito, pecar por excesso


Jonathan Bree, “You’re So Cool”, in https://www.youtube.com/watch?v=gxRq23qVE8A
Que matemática expressão, pecar por defeito. Insinua-se que a ousadia podia ter medida maior, mas a cautela ganhou aos pontos e tudo ficou contido dentro de umas baias exíguas. Há os que gostam de pecar por defeito. Timoratos, agarram-se às saias da precaução por não saberem (ou não quererem saber) os efeitos da desmedida. Em seu favor, a impossibilidade de retrocesso quando os efeitos medidos são um exagero já sem remédio. Para não serem cultivados arrependimentos a destempo, congeminam pecar por defeito. A margem de segurança acautela os efeitos imprevistos que podem tornar uma ação num apocalipse. 
Há os que preferem pecar por excesso. São temerários. Em seu abono, convocam a História e os episódios que são a excelência da audácia e de como a aposta no colossal trouxe proventos que, de outro modo, seriam provavelmente desconhecidos – ou, na melhor das hipóteses, tardios. Admitem que são assaltados por uma certa dose de loucura quando arremetem contra as probabilidades, arroteando um caminho sem esquadria, sem claridade que seja guia, sem saberem se o caminho leva a um labirinto sem saída ou se, no seu epílogo, está um precipício que não admite retrocesso. A ousadia é quase mecânica. Mesmo para quem já tenha sido dela vítima. Aprenderam que é ilegítimo o trunfo do arrependimento quando os efeitos hostis vão para além da medida esperada. Continuam a esboçar desenhos no estirador da ousadia, estendendo os limites para além do que seriam considerados os seus limites. A ousadia confere o espelho dos deslimites. Quando depois navegam em águas propícias, aprendem que os deslimites afinal cabem dentro de limites. A sua dependência do pecado por excesso é quase patológica, como um viciado em jogo que não consegue parar, não consegue resistir ao apelo de mais um jogo antes de abandonar o casino.
E há os que não acreditam no pecado, simplesmente. Protestam contra o exagero da expressão, não interessando saber se o substantivo que a culmina é defeito ou excesso. Insurgem-se contra a noção de pecado. Esvaziam-na de conteúdo. Ao ser dissolvido o seu efeito, deixa de fazer sentido pecar por defeito e pecar por excesso. Tudo andará dentro de seus limites. Não haverá medidas extemporâneas, quer por estarem acondicionadas num espaço exíguo, desaproveitando uma imensa área que podia ser explorada, quer pelo temor que das ações resulte o transbordar das margens, com desfechos imprevisíveis no momento do começo do jogo.
O que conta, é o cálculo de quem é o fautor das ações. Ainda que estejam embotados pela impressão de um pecar por defeito ou de um pecar por excesso, no momento da decisão tais defeitos ou excessos são inconsequentes. Mesmo que alguém seja comedido e acredite que podia ter sido mais ousado, no momento da decisão (que pecar por defeito), é como se essa noção fosse refreada pelo ímpeto da ação. O mesmo acontece para o pecar por excesso. Pecar por defeito ou pecar por excesso só têm aval quando se estimam as consequências das ações. E só por quem delas é responsável. 

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