Joy Division, “Heart and Soul”, in https://www.youtube.com/watch?v=0TC_OWpDNHQ
“Heart and soul, one will burn.”
Joy Division, “Heart and Soul”
O autor manda dizer que não tenham pressa. Protesta, a seu favor, a câmara lenta. A reinvenção do tempo, se assim preferirem. Pois não colhe a ideia de que a sofreguidão é a astuciosa solução para deixar em banho-maria o tempo sequaz. Não interessa galgar as margens do tempo se ele se volta contra nós. O que interessa apressar as empreitadas se uma reviravolta inesperada pode estilhaçar o esforço, reduzido a escombros?
Mais vale deixar a câmara lenta tomar o lugar centrípeto. E embaciar as cores das ilusões desembainhadas pela promitente ventura do porvir. Se deixarmos assentar o noturno deleite do tempo, esvaziando os relógios que o tutelam; e se formos timoneiros de um leve passar pelo dia, esconjurando a azáfama que venha a eito: talvez recuperemos uma alma entretanto errante. Saibamos arrematar os leilões onde se colhem os gramas da alma perdidos algures (e magicamente reivindicados em onírica função). Não tem serventia puxar os galões à vaidade que se sublima no vazio: ela é vazia como o vazio que a alberga; vazia, como sempre é a vaidade. Equivocam-se os que se empenham nas virtudes do trabalho e se ufanam que não sobra tempo para nada. Oxalá – diriam, se pudessem ser os donos da medida do tempo – oxalá houvesse mister de fazer com que mais de vinte e quatro horas fosse a medida do tempo e do sono não houvesse carestia se não de dois pares de horas. Cumprir-se-lhes-ia o tremendo sonho de dedicarem tudo à jornada de trabalho. Não se importam que lá fora não haja nada que reúna o seu interesse. Acabam por não perceber que são cartas fora do baralho.
O prazo é a prisão torcionária que sobre nós se abate. Os mais urgentes clamam que é para ontem (o prazo), exibindo a desmedida da sua desonestidade – nem em metáfora de mau gosto se aceite que o tempo pode ser repristinado. Por dentro da metáfora, ajusta-se à cintura o talião do prazo, a prisão do tempo acenando contra a serenidade que devia ser dos principais direitos humanos. Pois a cada um devia pertencer, e em exclusiva prerrogativa, a pauta por onde canta o tempo. Aceitando que a câmara lenta é o periscópio que emerge, insinuando um novo postulado do comportamento perante o tempo. Seremos penhores da qualidade, o estalão em permuta da quantidade.
O tempo deixará de ser a evasiva ilusão, perdendo-se entre a transparência do vento. Desprezando os totalitários calendários e as juras que se entrelaçam com a medida vindoura. Desmentindo o medo de o tempo ser escasso, ou de ficarmos dele devedores. No refúgio da câmara lenta, conseguimos a anestesia contra os malefícios do tempo.
Sem comentários:
Enviar um comentário