28.11.18

Controlo remoto (short stories #73)


Sigur Rós, “Olsen Olsen”, in https://www.youtube.com/watch?v=j2GjOC79gVI
          Este corpo suado: a transgressão das fronteiras, já o corpo pousado no estertor que limita os despojos da desarrazoada empreitada. Visto à distância, parece demencial. Visto à distância: não se aceitam os despreparos em que o corpo se debate e, todavia, o controlo remoto encaminha-o para o auto das impossibilidades na arena onde o chão parece não ter substância, onde o ar tem uma leveza insólita, onde a pele se emacia na ausência de humidade, onde as palavras se enovelam em seus sentidos paradoxais. E o controlo remoto continua ativo, frenético. O corpo que controla é o corpo próprio de quem manipula o controlo remoto. Nunca terá sido tão acertado usar o verbo “manipular”: o corpo que se emancipou por vontade do seu alter ego que tem o controlo remoto na mão, é um autómato que obedece aos caprichos da vontade do corpo domador. Como se houvesse duplicação de substâncias e o corpo se materializasse numa representação a ele exterior, para ser domado pelo controlo remoto que é depositado nas mãos do corpo dominante. Só para testar os limites a que pode ir o corpo – mas o corpo sujeito ao controlo remoto. Cobaia do apetite do domador corpo, este covardemente acolitado pelo controlo que, à distância, endereça as ordens a que jugaria impossível corresponder se fosse ele próprio, corpo sem véu, sujeito à experiência. E o corpo exsudado cambaleia, extenuado, no limiar dos sentidos. Mesmo no precipício do desmaio, o corpo experimentado ainda arranja forças para balbuciar que já não aguenta mais, convocando piedade. O corpo dominante, na implacável arena da tortura, quer saber dos limites. Não capitula perante a imagem compungida do corpo outro que se debate com dores excruciantes, não se percebendo se o suor em que se banha é o substituto da voz que, calada, não pode clamar por comiseração. Com o controlo remoto na mão, prossegue a maldade praticada sobre aquele seu corpo representado em holograma. Não se importa que possa perder uma vida, já não distinguindo o que se passa de uma simulação. Continua convencido que é como os gatos, com sete vidas para atirar como se fossem os dados lançados ao tabuleiro onde decorre o jogo. Ninguém lhe disse, em aclaração dos céus embaciados, que não é um gato. (E nem os gatos têm sete vidas.)

Sem comentários: