8.11.18

Panteão (short stories #63)


Mitski, “Nobody”, in https://www.youtube.com/watch?v=qooWnw5rEcI
Para os tementes da morte, a palavra panteão devia ser proscrita do vocabulário. Os panteões são a sublimação dos cemitérios, quando os cemitérios continuam a ser lugares de romagem aos mortos. Os tementes da morte não querem saber de cemitérios e, por maioria de razão, de panteões. Admita-se que alguns haja que não querem saber de cemitérios, mas não se importavam de ter morada definitiva no panteão. São os ensimesmados que, da mesma forma que anseiam por um lugar na toponímia local, ou uma estátua póstuma (pois as estátuas só fazem sentido se forem póstumas), poderão alinhavar no estirador de seus sonhos a pertença ao escol que tem acolhimento no panteão. O mal é que o panteão estaria sobrelotado. Obras de ampliação do panteão seriam necessárias, talvez torná-lo mastodôntico. O que amputava a simbologia do panteão, banalizando a sua pertença: era como se esta fosse uma terra de sucessivas gestas de ilustres, numa vulgarização dos ilustres, ou da redefinição da apertada malha que cauciona a pertença ao panteão. Não é desconfiança dos méritos dos concidadãos, das várias gerações que se sucedem no pano da história. Entre o escol, só uma minoria é que tem as portas do panteão franqueadas. Subverter os critérios de aceitação não é o produto da democratização dos elegíveis: a democracia não serve para tanto, melhor se falando em banalização. Faz lembrar aquele catedrático que quer tanto apertar a malha de admissão dos candidatos a catedráticos, para não se esvaziar o estatuto (e as genuflexões devidas, na sua maneira de ver) das catedráticas figuras. Por mim, não quero panteões. Não quero lugar reservado na toponímia da cidade. Não quero reconhecimento. Prefiro o anonimato. Andar nas ruas sem ser reconhecido. Que incómodo dever ser sair à rua e notar que muitos são os rostos que se deitam sobre o nosso, em sinal de público reconhecimento, em invasiva interpelação de quem ganha o dia só porque saudou um famoso. Só quero que o meu pessoal panteão seja a imensidão do mar, o leito das minhas cinzas. (E será que já tenho menos medo da morte, ao admitir a possibilidade de um privativo panteão com a escala do mar?)

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