Kate Bush, “Running Up That Hill”, in https://www.youtube.com/watch?v=wp43OdtAAkM
(Construído com base numa conversa acontecida. O resto é ficção. Mas ficção que encaixa com um protótipo do real: na falta de assunto, desvia-se para o tempo que faz – ou para a falta que o tempo faz.)
- O que dizes a este tempo? Finalmente, a chuva.
- Digo que é o tempo certo para este tempo. O outono estava em atraso.
- Não tenho nada contra a chuva. Só me incomoda que na semana passada andávamos em mangas de camisa e nesta semana o inverno chegou em peso.
- Tens razão. O outono continua em falta. Até à semana anterior, estava colonizado por um verão em final de estação. Agora foi suplantado por um arremedo de inverno que, de acordo com as cartas meteorológicas, chegou do ártico.
- Isto para as gripes vai ser um ver se te avias...
- Há sempre agasalhos à mão de semear.
- Se calhar, as pessoas estavam mal-habituadas ao verão que entrou pela carne do outono dentro.
- Têm sempre a opção de se informarem. Vejam os boletins meteorológicos. Noto, pela maneira como algumas pessoas andavam na rua quando o tempo se virou do avesso, que não passaram os olhos nos boletins meteorológicos. Ainda há dias vi um turista em camisola de manga curta, calções e chinelos. Estavam dez graus!
- Tu acreditas nos mais velhos, que dizem que estes outonos e invernos são uma amostra tímida do que eram no passado?
- Diz-me primeiro, para me situar: os mais velhos têm que idade?
- Setenta para cima.
- Por causa dessa diferença etária, não posso falar por eles. Quando eles evocam essas memórias, eu ainda não era nascido.
- Alinhas na teoria do aquecimento global?
- Não digo que não, nem digo que sim. É um assunto para peritos. Eu não sou. Não tenho dados. Posso confiar na voz dominante, que confirma o aquecimento global. Ou preferir a dúvida metódica, se alinhar com os que desconfiam do politicamente correto e advertem que a teoria do aquecimento global é politicamente motivada.
- Fiquei sem perceber a tua posição.
- Também eu. (Enquanto sussurrava, em comodato com o pensamento, que a conversa desinteressante – e não o era tanto assim, pois a meteorologia era fenómeno que cativava o seu interesse – já tinha expirado o prazo de validade.)
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