Morrissey, “Back on the Chain Gang”, in https://www.youtube.com/watch?v=q_hInzyYN3o
Com quantas espadas se terça uma paz? Dizia-se: a noite encerra os sortilégios refugiados em sombras insondáveis. São essas sombras que contêm a nitidez das palavras que soam a quimeras. Fala-se de bondade. Fala-se. Também se murmura que se pratica pouco a bondade. Começam as efabulações sobre a ética. Sempre sobre a ética que é exterior a quem assim se entrega a irrisórios exercícios de teorização. Nunca será uma interiorização, esse exercício; aí, a ética cabe sempre impecável, que nem a luva à medida da mão feita a seu tamanho. Volta-se a aduzir a bondade. Com uma interrogação de permeio: importa saber o adjetivo que é o matrimónio da bondade? Fala-se de bondade intrínseca; e de bondade que é um instrumento para outros fins, para pessoais fins (a bondade oportunista). Estão no mesmo patamar? Soerguem-se, outra vez, as batutas da parcial avaliação. A resposta é: depende: se somos nós a praticar a bondade, ou se ela é adestrada pelos outros. Respetivamente: é sempre bondade desinteressada, espontânea, dir-se-ia, bondade em estado puro; é quase sempre bondade indireta, bondade para atingir propósitos que apenas dizem respeito ao bondoso de circunstância. Não há nada como a parcialidade dos juízos feitos. Compõe-se a maravilhosa sonata dos duplos parâmetros. Se um atributo nos é creditado, tem um significado, merece um aplauso; se é imputado aos outros, o significado é diferente, em patente desvalorização em relação ao que se nos atribui. Talvez não interessem os qualificativos; talvez apenas importe o substantivo (bondade), atirando para o reduto da desimportância o adjetivo que seja sua parceria. O que deve ser estimado é o resultado depois da bondade: o recetor dela fica em melhor estado? Em caso afirmativo, teçam-se os louvores à bondade, não cuidando de indagar se é bondade em estado puro ou apenas bondade interessada (exercício em que se mergulha numa perda de tempo que podia ser gasto noutras empreitadas proveitosas, como a bondade). Faz lembrar o mecenato: há patrocínios a manifestações de artes que servem para emprestar uma aura de entidades culturalmente empenhadas a quem as financia. Isso interessa? Importa saber se os mecenas percebem alguma coisa de arte (e da arte que financiam), ou apenas que, através do mecenato, a arte tem lugar?
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