19.11.18

Nem sempre ganhamos, nem sempre perdemos (short stories #69)


Beirut, “Gallipoli”, in https://www.youtube.com/watch?v=knHvi4A8v9Q
Estamos rendidos à quimera das paisagens irrepetíveis. Contamos como ganho. Um ganho inestimável. Podemos não voltar a ser testemunhas presenciais dessas paisagens, delas fazendo caso único. Não é perda. Perda sê-lo-ia para quem delas nunca teve conhecimento. Deixamos os vestígios desses lugares a medrar num lugar especial da memória; é para lá que atiramos as fotografias mentais que impedem o esquecimento. Outro ganho: fica provado que temos uma memória inesgotável. Por mais lugares visitados, não damos conta de se exaurir o espaço para onde vão, emolduradas, essas lembranças. Às vezes, podíamos jurar que guardamos as mnemónicas próprias de um lugar. Mesmo à distância de uns milhares de quilómetros, é como se, através dos odores, da constelação de ruídos e do palavreado ininteligível, esses lugares estivessem ao alcance do corpo. Diremos: esses lugares estão alojados dentro de nós. Quase não precisamos de fotografias, no sentido físico da palavra, para desenhar as impressões que esses lugares deixaram em traço tão vivo. É outro ganho. Ganhamos às fotografias, que são sempre um pedaço inerte dos lugares que se perpetuam no movimento constante que é a sua evocação. Mas nem sempre ganhamos. Vemos imagens de lugares que sabemos existirem por inventariação no atlas, pelas imagens que podemos reter em demandas sobre lugares outros. Ficamos um pouco despedaçados ao saber de lugares que efervescem no desconhecimento. Não capitulamos. Podemos considerar que não levamos de vencida a empreitada, mas não desistimos de alinhavar os desafios que quadram com os lugares que ainda nos hão de ter como nómadas. Não nos julgamos perdedores à partida. As janelas estão todas abertas. Num movimento perpétuo que não cessa de ciciar aos nossos ouvidos os nomes dos lugares que terão nossa demanda. Enquanto não formos apalavrar a existência em lugar próprio desses sítios, não podemos consagrar uma vitória. Mas não quer dizer que estejamos derrotados à partida. O mapa, tal como as janelas vindouras, está aberto, em cima da mesa. Pegamos no lápis e começamos a dedilhar as folhas que se acastelam nas nuvens em que dormem os nossos sonhos. E depois, tudo começa. Outra vez.

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