Talking Heads, “This Must Be the Place” (live in Santiago do Chile), in https://www.youtube.com/watch?v=CSDvcHE48zk
As flores são os compêndios que nos inspiram as cores que jugaríamos ausentes. Prefiro olhá-las viçosas, na exuberância de quem exibe vida. Prefiro apreciá-las nos seus campos, onde medram entre sintomas de aparente omissão dos espectros que, todavia, caldeiam o mundo. Não gosto de ser confrontado com as flores que jazem em floristas. Já são póstumas e enganam as pessoas que passam e não ficam indiferentes às cores extravagantes que ainda têm para mostrar.
Devíamos ser como as flores. Devemos-lhes a inspiração das cores torrenciais que têm para mostrar enquanto descansam nos seus campos e vivem sem que se dê conta de que vivem. Podíamos celebrar o silêncio das flores, convocá-lo para aquelas ocasiões em que a fala gongórica, o falar apenas por falar, a urgência em usar a fala como se fosse uma prova de vida, deixam as palavras ditas imersas em insalubridade. Devíamos aprender que as flores são os segundos sóis, elas mantêm-se garridas mesmo nos dias em que as nuvens se acastelam e travam a claridade. São os únicos sóis que não deixam de evocar as cores, entretanto prostradas pelo céu plúmbeo que ganhou dia.
As flores trazem cores às pessoas. E as pessoas, sabendo que as flores são efémeras depois de arrancadas aos campos onde medraram, fingem que elas estão vivas enquanto encherem as suas casas com as cores que são a sua fala. É por elas que as pessoas bebem as cores. E fingem que não são corpos póstumos porque as cores se demoram na sua morte, como podia acontecer com os corpos humanos. Deve ser por isso que as floristas são negócios que nunca deixarão de existir. As flores, como homenagens aos outros (quase sempre), despertam os sentidos ao emprestarem as cores relevantes que se substituem às sombras que adejam quando alguém partiu. É por isso que os amantes se oferecem flores, porque o amor tem de ser irrigado com a poesia das cores.
Fingimos que as flores não estão mortas quando as compramos ou quando as arrancamos pelo caule. A culpa é nossa, que sabemos ser corpos que se extinguem quando somos portadores do nosso estertor. O nosso encanto pelas flores é por termos inveja de elas manterem as cores mesmo depois de mortas. E de serem lições de um silêncio heurístico, cada vez mais um bem precioso e que rareia.
Sem comentários:
Enviar um comentário