Deftones, “Digital Bath”, in https://www.youtube.com/watch?v=O_IIAYZL1R4
Hoje é diferente porque hoje as pessoas ambicionam visibilidade, querem ser diferentes apesar da homogeneidade dos gostos, querem partir da indiferença de estatuto que promovem ao perfilharem gostos semelhantes para se distinguirem dos demais como se fossem peças únicas de um mosaico por igual. Neste hoje que atravessamos, as pessoas reivindicam o direito à diferença assente nos predicados da igualdade, mas ficam reféns de um paradoxo: como podem basear a sua natureza única na cidadela da igualdade, se a igualdade dissolve as diferenças?
Hoje, todos querem estar uns degraus acima dos demais. Todos querem subir os degraus que os separam de uma posição cimeira, como se apenas interessasse o efeito ilusório dos rankings disto-e-daquilo. Hoje, ser número um é destino inapelável, a suprema autorrealização. O direito a sermos iguais confere a visibilidade do eu por oposição aos outros, dando corpo a outra contradição interna e insanável: temos direito a vir em primeiro lugar porque assim nos é garantido pela lógica da igualdade, mas assim que nos entronizamos no primeiro lugar estamos um degrau acima dos outros e acabamos por ser os procuradores da desigualdade.
Hoje é doloroso viver neste hoje que nos cerca com tanta imponderação, com tanta frivolidade a salgar a existência, com a bússola alquebrada pelos olhares míopes que dedicamos às coisas. Somos seduzidos pelas delícias da democracia que se agarra ao esteio da igualdade. Quando damos caução ao ensimesmar, beneficiamos das oportunidades da democracia e, ao mesmo tempo, sobre ela praticamos sevícias não reconhecidas no momento do ato. A fulgurante subida a palco, permitida pela banalização da democracia e pela igualdade que, de tão apregoada, está gasta, alimenta errâncias narcísicas que convocam a urgência do primeiro lugar e destinam os outros a lugares inferiores.
Este é um hoje decadente, preso às incongruências internas de um modelo que só respira teoria, em que todos querem ser número um como se fosse possível um empate multitudinário no lugar cimeiro dos rankings chamados à colação. Hoje somos destinatários desta igualdade vulgarizada e contribuímos para a sua degradação. Somos os primeiros a gastar os predicados da parceria entre democracia e igualdade. Somos convidados a ser a peça central do universo, como se tudo o resto fosse centrífugo.
Hoje, diligentemente educados sobre a nossa gregária condição, praticamos a teimosia do primeiro lugar. E, de uma assentada, promovemos as exéquias futuras do sistema que semeou a esperança de podermos figurar no primeiro lugar.
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