Max Richter, “Dona Nobis Pacem 2” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=v0UBZ3hINBY
Quem quisesse que descodificasse as profundas grutas onde a bondade e outros nobres atributos tinham ninho. Não açambarcava os laudatórios provérbios da existência, mas também não se invalidava como irremediável espectro a sondar a decadência dos tempos. Se havia crises a pontuar os minutos descompensados, elas não eram existenciais. Deixava os remoques de angústia para outras almas. Da dele, dispensavam-se os enredos capazes que destilavam o bom vinho.
Não sabia descodificar os códigos de conduta que tinham sucessivas edições sempre com impressão em papel impecável, um papel que não se gastava com o uso, gramagem acima da média. Assim deviam ser os códigos para não ficarem puídos com a estultícia do tempo que se avinagra à medida do seu avanço. Os mentores sabiam que as pessoas precisam de guias soberanos; devem, as suas lições, ser assertivas para ninguém (ou quase) se tresmalhar dentro da teia social. Os comportamentos dissidentes eram prevenidos com a persuasão com que se combatem os piores males com pública visibilidade.
Não se interessava pela sindicância exercida em abono dos códigos de conduta. Se era proibido fumar, e os locais admitidos cada vez mais restritos, ostentava o cachimbo blasé em pose provocatória. Se o álcool não era aconselhado, partia de bar em bar até se esquecer do paradeiro do dia. Se foi instituída uma gramática por imperativo de uma minoria bem pensante, reinventando a semiótica, insistia nos vocábulos, nas frases feitas, nas expressões idiomáticas que tinham perdido validade na espuma do tempo. Se os vigilantes de serviço apostavam em sondar os costumes pessoais, tornava-se contumaz, incorrigível infrator de muitas regras constantes do capítulo dos bons costumes.
Não contassem com ele para engrossar o rebanho ordeiro que se deixa apascentar, iludido pelas promessas de pregresso e pela ideia gasta de que o progresso é sempre melhor do que a página que ficou para trás. Era matéria-prima insubmissa, carne imune às provações vindicadas pelos ascetas da obediência, profeta da descodificação dos códigos depressa virados do avesso. Lobo solitário, cada vez mais nos antípodas da matilha orquestrada que acenava com a hibernação diante da prestimosa condução das almas feita pelos gurus assim entronizados.
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