The Cure, “The Last Day of Summer” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=EDN13Elz4iM
- Avó, quando é que acaba o Verão?
- Mas qual é a pressa? Pois se é no Verão que tens férias da escola e todo o tempo livre para fazeres o que queres.
- Estou cansado de ter o tempo livre. Já percebi que o tempo é sempre livre, ninguém o consegue comandar.
A avó ficou sem resposta. O tempo é o soberano da liberdade. Às vezes, quando se avivava a impressão de que o tempo ia numa correria desatada, formulava o impossível desejo de construir barragens que domassem o tempo do mesmo modo que domam os rios. Uma barragem para conter o tempo, retesando-o até que as pessoas ficassem preparadas para o que o tempo estivesse preparado para lhes destinar.
- Avó, não estás cansada do Verão? Estás a suar com o calor que está e só faz este calor no Verão.
- Vamos comer um gelado. Assim paro de suar.
- Tu gostas mais do Verão do que do Outono?
- Sim. No Outono parece que vamos a caminho do fim. Não gosto de fins.
- Dizes o fim como morte?
- Como a decadência que vem antes da morte. As pessoas mereciam não saber o que é a decadência.
No Outono, quando passeia pelo jardim e não evita as folhas caducas que cobrem o chão por onde passa, sente o estralejar das folhas ao serem trespassadas pelos pés. Estão secas e encarquilhadas, estilhaçam-se como ornamentos de cristal. Patenteiam a fragilidade do Outono, como a decadência fala através dessa fragilidade. Os pedaços das folhas caducas somam-se ao restolho restante. Antes de abandonar o jardim, enquanto o semáforo para os peões não fica verde, volta-se para trás e aprecia como o jardim se transfigura com o Outono. Desde há alguns anos, pesa-lhe a pergunta excruciante se não será o seu último Outono.
- Avó, também posso comer gelados no Inverno?
- Podes. As geladarias não fecham no Inverno, nem as fábricas de gelados.
- Quando for o Inverno, levas-me a uma fábrica de gelados?
- Porquê?
- Quero saber como guardar o gelo para não suares no Verão.
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