The Divine Comedy, “The Last Time I Saw the Old Man”, in https://www.youtube.com/watch?v=mu7k2VA7aVM
A meta é sempre depois. Parece que alguém conspira contra nós, a meta sempre um pouco depois, liquidatária de adiamentos. Por mais que desatemos a correr desenfreadamente, a meta escapa-se entre os vestígios do horizonte, como se o horizonte se perdesse num outro horizonte depois dele.
O céu espera no entediante entardecer. A noite promitente demora-se, atira-se aos medos que se juram na incompleta safra do tempo vindouro. Parece que estamos reféns de um estaleiro permanente. As obras não chegam a estar inacabadas: nem sequer foram começadas, mas podemos encontrar, zelosamente guardados, os planos desenhados em estiradores de classe mundial. Não se diga que somos parcos em ideias. As provas das ideias estão no amontoado de papéis que são o seu contrato-promessa. Mas depois elas coalham na apatia, ou na torre de Babel dos procedimentos, amarelecidos numa vertigem de assinaturas daqueles que se ufanam de ostentar um poder. O poder de travar as concretizações que não passam de planos.
É contra esta miríade de relógios estroncados que corremos como se não saíssemos do lugar. À mercê de uma angústia composta por paradoxos: a impressão de que somos perseguidos pelo tempo, que está em constante aceleração como se a sua matemática fosse desmentida pela impressão que dele temos; e a inércia que nos endossa para a prisão do presente, como se o futuro estivesse em parte incerta.
Pelo céu em que se demora o olhar desfila uma paleta de cores, umas conhecidas, outras como se fossem páginas inauguradas num livro imorredoiro. Na imagem da inércia que nos atira para uma hibernação sem prazo de validade, os pés presos ao chão por um cimento indelével. Ao passarmos pelos corredores do tempo, sentimos as paredes a fugir como se não quisessem ser o amparo que os corpos instáveis precisam. Não é desta permanente erupção que precisamos – lamenta-se uma voz anónima.
E eu digo: precisamos de vulcões que sejam profecias da nossa permanente demanda pela diferença. Precisamos de sismos frequentes que desaprovem a languidez do tempo ocioso que se oferece como a anestesia que atira vidas para uma decadência precoce. Precisamos de todas as cores que enfraqueçam esse cimento que nos aprisiona ao tempo estático. Para podermos correr atrás do tempo, sem que seja ela a correr atrás de nós.
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