10.12.25

L

Björk, “Play Dead”, in https://www.youtube.com/watch?v=us63i6sqlYk

“They’re going to hurt you

they always will.”

Encomenda uma manhã clara, mesmo que sejam as nuvens a atapetar o céu, assim bisonho. Com a claridade que se aloja dentro de ti, irradia essa luz que se sobrepõe ao crepúsculo disfarçado que cobre o dia de invernia. Não te intimides: o céu não se abate sobre nós, só na aparência é que está quase a roçar as nossas cabeças.

Resgata ao sol a luz timorata que ficou presa nas teias em que se tecem nas nuvens plúmbeas. Ganha o nome desse sol, teu por irrecusável devir, para seres o filantropo que arregaça os espaços entre as nuvens por onde há de entrar a luz manancial. Os fingimentos que sobem à cena são isso mesmo, fingimentos que se descobrem no mais epidérmico tatear. Serás tu a tutelar o desembaraço das almas, saídas do recobro, ainda fragilizadas pela letargia.

A manhã clara – para que não se contestem as linhas estrénuas que açambarcam a angústia e a devolvem ao paradeiro sempre incerto. O idioma tartamudeia nas entrelinhas, naufraga nas águas impetuosas que se alimentam na vontade não sujeita a sufrágio. Os soberanos são humildemente silenciados, deixando que os úberes abundantes jorrem o alimento que os audazes precisam para desarrumar o azedume das manhãs que começam devagar. Não são os sacrifícios que contam; são os passos desacertados, errantes que sejam, que desenham a impressão digital entre hoje e o futuro que, à distância deste passado, não pode deixar de ser perfeito.

Desmatados os medos, derrotados os ignóbeis que nunca desistem de terçar as armas puídas, sobra uma tarde desembaraçada, um novembro fortuito que ganha lugar no mapa de abril, ou um festim alucinante em que todos se desempoeiram de preconceitos e dançam as danças virtuosas que dispensam coreografias-alfaiate. 

O tempo precisa de ser despejado, como se fosse o inquilino intruso que desbasta a lucidez povoada. Os olhos fecham-se sobre si mesmos. Sobre eles passam as imagens de sonhos tingidos que nunca hão de ser pesadelos. As armas enjeitadas exorcizam-se, tutelares dos medos silenciados no verbo alto da manhã clara. Amanhã acertas as contas com o tempo derruído. Até lá, toma o sonho de cernelha e bebe toda a água aromatizada pelo tempo na sua madrugada festiva.

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