22.12.25

LVIII

Frankie Goes to Hollywood, “Two Tribes (Destructo)”, in https://www.youtube.com/watch?v=yWLHK2h8EBQ

“We are like the wind 

wrapped in luminous wings.”

Está em vias de redenção. O olhar mergulhado nas profundezas do pensamento. Absorto, como se o mundo à volta fosse um pormenor. Amanhece no silêncio que não se gasta. Queria que as coisas fossem diferentes (não tem vocação para ser conservador). Mas as suas aspirações não rivalizam com as candidatas a Miss Mundo que desfilam no plateauformulando platitudes inconsequentes. Ao contrário das candidatas a Miss Mundo, não segue um roteiro escrito por outrem.

Orgulhava-se de pensar pela sua cabeça. Recusava o pastoreio do pensamento, tão comum no tempo presente. Mas será que conseguia rasurar do pensamento todas as influências externas? Se conseguisse, não seria um asceta confinado à pequenez de uma idiossincrasia? 

Por mais que aspire à originalidade do pensamento, por mais que vinque os pés no chão e recuse interferências na formulação do pensamento, não é tão insular a ponto de se abstrair do mundo à sua volta. Por mais que não se misture com os demais (a vertigem misantropa que o colonizou desde tenra idade), admite a condição gregária mais como inevitabilidade do que como uma adesão espontânea e entusiasmada a uma pertença. O pensamento murado nos contrafortes da ilha própria é uma redução de possibilidades que o apequenava. Tinha consciência disso. Como atingir o equilíbrio entre a exposição aos outros e um pensamento próprio que não se agravasse por capitulação às marés dominantes?

Este é um tempo de exageros e de pessoas exageradas. Entre as margens que se afastam, há um imenso território de baixa densidade populacional. A moderação saiu de moda; é um termo em desuso. Se as pessoas oscilam entre as que se deixam apascentar por deferência à preguiça e as que exibem a teimosia de um pensamento próprio que se farta de fazer concessões ao ridículo, é porque são atraídas pelo abismo dos exageros que colonizaram o tempo atual. 

Entre engrossar a maioria e despojar-se da exigência de pensar porque há sempre quem tenha essa incumbência em seu nome e passear orgulhosamente o pensamento próprio e a intencional misantropia, não sabia o que era pior. Sentia-se refém. Quando queria obstar à misantropia e aceitava que a formulação de um pensamento próprio podia levá-lo à condição de pária, aproximava-se do pensamento minimalista, hipotecado às convenções e aos seus tutores. Quando temia que a indolência do pensamento o tornasse indiferenciado, um mero algarismo dependente das vontades alheias, sucumbia à sedução de um pensamento próprio e, todavia, para muitos, risível. 

Assim seguia, desadaptado ao tempo corrente, acorrentado a uma prisão mental. Por muito que o labirinto interior lhe ensinasse que navegar nas margens correspondia ao contrabando de si mesmo, as forças gravitacionais que se movimentam no sentido dos opostos dificultavam a moderação. Por mais que soubesse dos efeitos nefastos de cair numa das margens, e por mais que as esconjurasse à vez, tinha consciência da luta interior para que o pensamento não fosse sequestrado (pelas convenções, ou pela bulimia da misantropia). 

Já era um começo. Faltava tudo o resto.

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