Sault, “Pray for Me”, in https://www.youtube.com/watch?v=zJjxezSphyk
“Even though things have been changing.”
Os estroinas não queriam saber da gramática do tempo, da gramática do medo. Ensimesmavam as raízes do tempo e perseguiam o efémero. Não obedeciam a calendários ou a horários britanicamente pontuais. Nem levavam a vida segundo as exigências do tempo à medida que a vida atravessava as várias camadas do tempo. Personificavam o hedonismo. Chamavam-lhes frívolos. Aos outros, incomodava a sua falta de substância, a vacuidade interior que ostentavam. Os outros não percebiam que os boémios adoravam provocar as boas consciências. Faziam de propósito para aparecerem como as más consciências, aqueles a quem nenhuma mãe entregaria uma filha para ser desposada. Eram agitadores de serviço, agiotas das consciências, sabotadores dos usos e costumes. Não eram o público-alvo de publicidade a relógios, pois nenhum deles usava relógio. Rejeitavam a tirania do tempo e o que ele significava como castração dos prazeres que continuavam a praticar. À medida que a idade avançava, começavam a ouvir com mais frequência supostas “vozes da consciência” a advertir que aquela já deixara de ser a idade para o hedonismo, que “já tinham idade para ter juízo”. Como eles não sabiam de que consciência era aquela voz, continuavam a fazer ouvidos moucos. A misturar horários, confundindo as convenções. Eram os maiores adversários dos costumes (daí nunca terem aprendido o significado da palavra “consuetudinário”). Aproveitavam a indolência do tempo, pois o tempo nas suas mãos era mais demorado pela erosão que lhe impunham. Consumiam-se num paradoxo insanável: se o tempo se demorava para além da sua métrica, levavam uma vida vertiginosa, como se acelerassem intencionalmente o tempo. Faziam-no porque conseguiam esvaziar o significado do tempo. Conseguiam que tudo ficasse por conta deles, sem as contingências exteriores que não queriam suportar. Se os acusassem de serem fingidores, faziam um brinde e partiam para uma noite de boémia incorrigível.
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