30.12.25

LXIV

Tame Impala, “Apocalypse Dreams”, in https://www.youtube.com/watch?v=cu0jXE_Tc4E

“My world is turning pages

while I am just sitting here.”

        O chão de flores canta as estrofes vindicadas pela manhã. São trovadores sem nome que se embebem no odor das flores e ajudam a compor uma quimera. Deixam de ter lugar as angústias que cimentam o olhar esfíngico das pessoas que passam indiferentes. Naquele lago, sobranceiro ao jardim que tem um coreto no centro (o último da cidade), as águas degelam. O Inverno entrou no caminho final, antes de dar lugar à Primavera. Os trovadores vão-se juntando nas imediações. Trazem flores. Uma constelação de flores, como se tivessem sido apanhadas de um oásis onde não chegou a ser Inverno. São as flores que vão atapetar o chão depois de, à vez, os trovadores entoarem os poemas que despertam as pessoas do torpor do Inverno. Atrás do cortejo de trovadores vem um cortejo de pessoas atraídas pelo cortejo dos trovadores. Inspiram-nas as indumentárias improvisadas de flores que os trovadores vestiram sobre o vestuário ainda invernal (estão quase zero graus, ainda). À medida que os trovadores sobem ao coreto e cantam a música, dedicam-na a uma flor da sua preferência. No fim, despem a capa de flores e atiram-na sobre as pessoas que estão a assistir. Aquela é a sagração do fim do Inverno – desenganem-se os que julgam ser a sagração antecipada da Primavera. Quando os trovadores se despojam das flores, é como se estivessem a dar ao chão a sementeira de que a Primavera precisa para se tornar adulta. As pessoas diante do coreto vão ficando com os cabelos e as roupas tingidos pelas flores atiradas pelos trovadores. Respiram a miscelânea de perfumes das flores que vieram borda-fora. Sentem-se rejuvenescidas. Como se os tons sombrios, a matéria palpável do Inverno, precisassem de exílio e as flores em barda que se precipitam sobre as pessoas fossem o elixir necessário. E assim as pessoas saem dos seus exílios ancestrais.

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