9.12.25

XLIX

Joy Division, “Day of the Lords”, in https://www.youtube.com/watch?v=xCsSV3Z89-s

I’ve seen the nights filled with bloodsport and pain.

Amigos da onça são os que pesam mais no bornal da angústia. Não deviam. A ingratidão arrosta os juros do oblívio. Massacres de carácter por quem era depositário de confiança não dão direito a menos do que a indiferença.

Conceda-se, porém, que fique a adejar uma dor funda pelo equívoco da escolha e pela confiança imerecida. Não será o sabor da traição do amigo da onça a dourar o reflexo condicionado que o condena ao esquecimento. Parece que é todo um passado que não tem direito a ser esquecido. Um passado que não se extingue pela condenação a amigo da onça.

(Não sei, não cheguei a perguntar às ajudas disponíveis por que está convencionado chamar estes amigos pretéritos “amigos da onça”. Se a onça é o felino que se encontra em habitats sul-americanos, por que mistério quem for amigo da onça é considerado um amigo renegado despromovido à condição inferior de não-amigo (ou ex-amigo)? Não sei se os filólogos, ou o povo que contribuiu para o uso social que levou à vulgarização da expressão, queriam diminuir a importância de amigos destes através do pouco peso – uma onça é o equivalente a umas vinte e oito gramas arredondadas – que traduz a irrelevância a que foram votados.)

O amigo da onça, pelo sentido assumido pelo idioma corrente, é aquele que deixou de ser por ter perdido a confiança. A indeterminação dos tempos correntes, que não titubeia perante os esforços dos sistemáticos que querem saber das convenções semânticas exatas, é outra complicação. Um amigo da onça que deixou de ser amigo pode ser reabilitado. Por perdão, que o sentimento cristão às vezes espreita pela escotilha; ou por se concluir que a condenação à condição de amigo da onça foi determinada por um erro de julgamento, baseado em mal-entendidos. 

Um amigo da onça que voltou a ser amigo é um ex-amigo da onça que dantes fora amigo-só e que, tendo sido perdoado ou reabilitado, volta a gravitar na órbita do amigo que o tinha condenado àquela condição. Quando o ex-amigo da onça é reabilitado, a amizade jamais será igual. Ficam feridas abertas, lugares para suspeitas, a impaciência que não transige com o menor deslize, a incapacidade para ao amigo tolerar o que nos outros não é tolerado. Do ex-amigo da onça é difícil esquecer que já foi amigo da onça. A longanimidade tem limites. A deferência pelo estigma da deslealdade, também. Os limites variam de pessoa para pessoa, com a vontade de cada um reabilitar (se esse for o caso) um amigo da onça para a condição de amigo-de-novo.

Sem comentários: