Cat Power, “The Greatest” (live at Austin City Limits), in https://www.youtube.com/watch?v=bnrRSreq1Ng
“Once I wanted to be the greatest
no wind or waterfall could stop me.”
Conhecia o frio que revoluciona o sangue hibernado, como se o frio, estando nos antípodas de um vulcão, com ele conspirasse para agitar as moléculas que gravitam na órbita da vida. Conhecia o frémito invulgar que se assenhoreava das veias, como se elas esperassem a adrenalina de quem corre a par do tempo. Conheci os lugares que inventariei na contrafação do inviável.
Queria, desses lugares, uma doação em forma de madurez. Como se eles fossem os procuradores habilitados a estilhaçar o obscurantismo de que pedimos despojamento. Não queria que o espesso crepúsculo se abatesse sobre os olhos, encerrando-os numa cortina baça, indestrutível, atirando-me para uma cratera onde a vida não respira. Preferia deixar de lado as coisas mundanas; inspirar com toda a força as estrofes que o mundo tem para oferecer, banindo os embaraços mentais que crescem no avesso da vontade.
O frio beijava a pele, a pouca pele à sua mercê. Irrigava a carne com os vestígios dos lugares bem-vindos, mesmo quando deles não levamos senão vagas recordações. Se fosse desenhar uma geografia que rima com a existência, seria um mapa trespassado por muitos espaços em branco; seria um mapa retalhado; mas seria uma geografia que legou toda a riqueza dos paradeiros averbados no promontório do sentir. O frio não importava. Era ávido na clareza que devolvia e ensinava o olhar a não se distrair com as banalidades que são presença assídua.
Quando dizia às pessoas que prefiro coabitar as paisagens invernais que estão habituadas à neve, olhavam para mim, umas boquiabertas, sem perceber como alguém prefere habitar paisagens enregeladas; outras, com algum desdém por ajuizarem que ninguém, no seu inteiro juízo, prefere o frio ao calor. Eu insistia sempre. Desafiava os usos instituídos que tomam conta da gramática e fabricam expressões idiomáticas que passam à margem da contestação. Desafiava os embaixadores desses usos, contestando a definição de bom tempo e de mau tempo. Era injusto que o tempo frio e chuvoso, relativamente frio e chuvoso que às vezes se abraça ao outono e ao inverno, tivesse de ser entendido como mau.
Não era por interior propensão a habitar lugares despovoados que desafiava as convenções. Já que tanto se fala de linguagem e da sua reinvenção ao gosto dos novos tutores que a combinam com agendas emergentes, podia alguém despontar do marasmo para recusar que o tempo chuvoso, ventoso e frio, e as tempestades em geral, tivessem de arrostar o adjetivo que o tornava pejorativo.
Não é o tempo que é mau; são as pessoas que habitam no interior da maldade.
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