28.1.04

Os “amigos da lampreia”, esses defensores da espécie

Nada tenho contra nem a favor de lampreias. Não faz parte da minha dieta alimentar. Como também não é um animal que desperte a minha sensibilidade. Porque a sua forma se assemelha às cobras e, como tenho alergia aos répteis, a comparação não abona em favor da minha simpatia perante a espécie.

Contudo não pude ficar indiferente a uma patacoada cometida por um jornalista, mais conhecido por vangloriar em livro as façanhas desportivas do FC Porto, mas que foi entrevistado como líder de uma agremiação de degustadores de lampreia. A pessoa em causa dissertou sobre os malefícios das barragens para a preservação da espécie, porque impedem a desova que as lampreias estavam habituadas a fazer na sua subida do rio. Na sequência desta acusação, não hesitou em concluir que a sua agremiação gastronómica era a melhor defensora da preservação da espécie!

Cada vez menos me pasmo com estas manifestações de caricata imbecilidade. Num mundo em que se ensina nos bancos da escola e no remanso do lar, em plena educação das crianças, que os fins justificam todos os meios, escutar esta ideia absurda não chega a ser surpreendente.

Os receptores da mensagem do ilustre presidente da agremiação gastronómica decerto estão em condições de perceber o súbito apelo ecológico que emitiu na entrevista. Esta gente gostaria de proteger a lampreia para assim ela existir com mais abundância nos rios e chegar aos seus pratos a um preço mais compatível com carteiras menos endinheiradas. Ninguém pode duvidar que esta gente é mesmo amiga da lampreia. Mas de preferência num prato de sarrabulho fumegante, mesmo à frente dos seus olhos esbugalhados que espumam ansiosamente por espetar o grafo na iguaria. No rio elas são um desperdício para as pupilas gustativas.

Ir por este caminho é o mesmo que aceitar a ideia peregrina de certos defensores das touradas. Consideram que é a existência de touradas que impede a extinção do touro bravo. Como o argumento que era antes mais usado tem perdido consistência – a tourada tem que existir porque é uma “tradição” –, tentam entrar num domínio que é grato às pessoas que são mais sensíveis aos direitos dos animais. Para sua infelicidade, falham o alvo. Só um mentecapto consegue reconhecer que um espectáculo degradante, que inflige sevícias num bicho indefeso, para grande deleite de aficionados que exibem a sua grotesca animalidade, serve de protecção desse animal.

Por esta lógica, um dia destes temos os folclóricos defensores do asqueroso espectáculo da matança do porco a sustentar a ideia de que isto é necessário para a preservação do animal!

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