12.1.04

As “boas tardes”!

Quando uma pessoa entra num local e, por educação, decide cumprimentar os presentes, o “boas tardes” é a expressão mais escutada. Interrogo-me se a intenção é endereçar para cada uma daquelas pessoas uma “boa tarde” individualizada. À falta de melhor, porque não é cómodo entregar o cumprimento a cada uma das pessoas, a solução mais fácil é a de dirigir um cumprimento colectivo.

Será um capricho sublinhar a minha aversão a esta expressão. Como a outras expressões idiomáticas que têm conquistado terreno na linguagem, sedimentando-se nos usos e costumes sociais. Ainda que não sejam gramaticalmente correctas. Mas a tanto custo, sendo repetidas até à exaustão, penetrando no subconsciente de cada vez mais gente, tais expressões hão-de figurar no dicionário corrente.

Assim sucede com o “boas tardes” e como o enigmático “continuação”. Esta última é uma manifestação de outro vício que vai abundando entre os portugueses – a economia de palavras reflectida nas expressões de convivência social. Sim, porque o famoso “continuação” é uma abreviatura de “continuação de um bom dia”. Quem sabe se no futuro iremos desejar apenas “ano novo”?

Causa-me espécie porque se transforma o plural de um cumprimento corriqueiro só porque a audiência é composta por mais do que uma pessoa. Como fosse um atropelo às regras da gramática desejar um singelo “boa tarde” tendo como destinatário uma pluralidade de pessoas. Deseja-se uma boa tarde a todos os presentes, estilo "cumprimento à francesa"? Não parece de bom tom. Alguém, entre os presentes, pode sentir-se discriminado por apenas escutar “boa tarde”. Podendo pensar que ele está a ser posto de parte deste cumprimento, tal situação pode gerar inúmeros conflitos. O “boas tardes” é uma solução pacificadora, que traz a sã convivência para as relações sociais.

Ou será que estamos a desejar tantas boas tardes a tantas as pessoas que sejam agraciadas com a nossa cortesia? Ou, levando ainda mais longe a incógnita, será que o remetente dos votos é tão magnânimo que chega ao ponto de estender o seu desejo não só para aquela tarde, mas para a de amanhã, a de depois de amanhã, e assim sucessivamente?

Se a moda pega, um dia destes estamos a desejar “bons Natais”, “bons Carnavais”, “boas Páscoas” e por aí fora. Tudo porque quando dirigimos estes votos estamos perante uma plateia. Como tal, o imperativo de abandonar o singular e usar o plural. Os políticos, quando se dirigem na televisão aos portugueses (no Natal por exemplo), deverão dar o exemplo e mudar as fórmulas que habitualmente utilizam. Assim passaremos a ter, no encerramento da mensagem do presidente da república, um “aos portugueses, desejo os votos de bons Natais”. E em pouco tempo não me admiro se os apresentadores de noticiários abram os telejornais com o engenhoso “boas noites”…

Sem comentários: