16.1.04

Comércio livre ou comércio justo?

Nos últimos dias tem andado no ar uma polémica devido à livre importação de têxteis chineses. Argumenta-se que esta abertura às trocas com a China é imoral. Algumas das opiniões mais reservadas vêm de certos sectores da direita. Para eles, o comércio justo deve-se sobrepor ao comércio livre. Alguns sectores deste quadrante ideológico são, por natureza, partidários do comércio livre. Desde que daí não resultem distorções à concorrência, provocadas por inadmissíveis entorses a regalias sociais do trabalhador, ou desde que o comércio feito em condições favoráveis provenha de países onde vigoram ditaduras execráveis.

No fundo, o que está em causa é saber se os cânones do livre comércio devem comportar excepções. Estes desvios justificam-se com o pretexto de alicerçar um comércio livre, mas justo, entre todos os países. Para evitar que alguns consigam tirar partido de condições que outros já baniram da prática e das leis há muitas décadas. Trata-se de países que conseguem beneficiar de trabalho mais barato, apenas porque espezinham direitos sociais dos trabalhadores. Algo terá que ser feito para impedir os batoteiros de se aproveitarem da concorrência desleal, prejudicando aqueles países que jogam as regras do jogo.

Não tenho dúvidas em repudiar esta linha de raciocínio. Porque inscrever o “comércio justo” na agenda internacional traz consigo uma dimensão de incerteza que, mais cedo ou mais tarde, leva à aniquilação do comércio livre. Se existe conflito entre comércio justo e comércio livre, prefiro que vingue o último. Possibilitar a liberalização das trocas comerciais é sinónimo de progresso para os países que abrem as suas fronteiras. É sinal de mais bem-estar para as respectivas populações, que têm acesso a mais bens, de melhor qualidade, e mais baratos. Autoriza um aproveitamento dos recursos produtivos mais eficaz, porque não permite que através de barreiras ao comércio internacional prosperem os países que são menos capazes, ocupando o lugar dos que exibem maior competitividade.

O comércio justo é perigoso porque depende de medidas arbitrárias e de uma elevada dose de subjectividade. Um país pode ser acusado do pecado do comércio injusto, quando outro país, fazendo exactamente o mesmo, passa incólume na avaliação. A desigualdade de tratamento que fica exposta é suficiente para negar as pretensões dos defensores do comércio justo. Até porque, na maior parte das vezes, quem exibe a bandeira do comércio justo está a ajuizar em causa própria. São aqueles casos em que as importações vêm ocupar uma fatia do mercado que antes era reservada à nossa produção. À falta de melhor, manda-se para o ar o pretexto do comércio injusto para introduzir restrições às trocas internacionais. Para assim manter privilégios usufruídos por empresas nacionais, prejudicando os interesses dos consumidores.

Os benefícios do comércio livre superam os eventuais prejuízos que, pontualmente, certas indústrias nacionais possam sofrer em virtude da abertura ao comércio internacional. Era bom que os políticos fossem honestos ao ponto de admitir que as vantagens das barreiras ao comércio se concentram em poucos privilegiados (as indústrias protegidas) a expensas da larga e silenciosa maioria dos consumidores.

Era bom que as esquerdas parassem de erguer a sua voz contra o comércio livre, porque estão a dar um tiro no pé. Sim, se são as esquerdas que reservam o monopólio da preocupação pelos “interesses sociais”, deveriam ser perspicazes ao ponto de concluir que as barreiras ao comércio só interessam a uma reduzida casta que beneficia dos obstáculos às trocas comerciais. Estes são mais abonados do que os consumidores empobrecidos que se deparam com um travão a padrões de bem-estar mais elevados, porque são obrigados a “consumir nacional”…e mais caro. Aqui, o “nacional é caro”! É este o objectivo de certas esquerdas: travar o bem-estar dos mais carenciados?

A China é uma ditadura. Das piores excrescências que o comunismo ainda regurgita. Mas é de uma ingenuidade atroz imaginar que o comércio justo deve imperar para forçar as ditaduras a uma abertura política. Pelo contrário, é o comércio livre que pode proporcionar esta abertura. Não o ostracismo a que ficam votados os países onde vegetam ditaduras, quando se decide erguer barreiras motivadas pelo abjecto “comércio justo”. Não é através do comércio justo que as ditaduras vão cair. É bom que não se confunda o comércio internacional com o domínio mais vasto da política.

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