Há dias (6 de Janeiro) Medeiros Ferreira alertou no Diário de Notícias que a “direita avança”. Qual marcha onde soam os trompetes da inquietação, trazendo para a superfície uma retórica que deixa supor que o “fascismo” está aí mesmo ao dobrar da esquina, o deputado socialista jorra a sua preocupação contra a “deriva direitista” da actual coligação governamental.
Este é um peditório que começa a cansar. As esquerdas podiam vasculhar no baú da imaginação e encontrar estratégicas que as consigam trazer de novo para a ribalta. Não é com estes truques de esperteza saloia que conseguem mobilizar as atenções. Sobretudo das pessoas mais informadas, que sem esforço chegam à conclusão que quem se está a deixar enlear por um discurso de radicalização são elas mesmas, esquerdas, e não “o Portas”.
No seu artigo, Medeiros Ferreira investe contra a intenção do CDS-PP de alterar a Constituição: “(é) no projecto de revisão constitucional que melhor se cristaliza, neste momento, a deriva direitista da coligação e a influência decisiva de Paulo Portas”. O deputado insurge-se contra o anunciado objectivo de expurgar a Constituição das referências ideológicas anacrónicas, ainda presas à matriz marxista. Entre largos sectores da comunicação social a indignação é também partilhada. Diz-se que estas referências como que embelezam a Constituição, são uma datação necessária para que se compreenda o contexto histórico em que ela surgiu. Curiosa visão: não sabia que a Constituição era lugar de eleição para os antropólogos!
Em rigor, esta ideia do CDS-PP foi lançada num momento desajustado. Portas devia saber que não há condições políticas para aprovar tal revisão constitucional. Na verdade, o PS, empenhado da sua “deriva esquerdista”, com tantas afinidades com o Bloco de Esquerda, não sanciona esta vontade de mudança. Só por si este elemento bastaria para adiar a ideia. Sob pena de se andar a pregar no deserto e a criar anti-corpos contra uma futura revisão da Constituição que a torne ideologicamente neutral.
Mais estranho é ouvir e ler as opiniões de certos militantes das esquerdas e sentir quão ofendidos se sentem se a Constituição perder estes referenciais ideológicos. Parece que são eles os guardiães da verdade. Parece que tais referências devem estar presentes para todo o sempre, ainda que assim o país vá contra a maré da globalização que impõe uma prática bem diferente, nada tributária de socialismos e coisas afins. Esta gente parece não ter aprendido a lição da saudosa “irreversibilidade das nacionalizações”. Tão irreversíveis eram que em 1982 deixaram de o ser, desaparecendo do texto da Constituição. As esquerdas deviam aprender que tudo na vida é efémero. A única coisa que fica parada no tempo é a morte. O resto evolui – e quem não evolui pára no tempo.
Já começa a cheirar a bafio o argumento estafado que “esta direita” se está a inclinar perigosamente para um extremismo que não se sabe bem onde nos pode conduzir. É o que se infere das palavras de Medeiros Ferreira, quando avisa que “(a) pretexto de «neutralizar as referências ideológicas» da Constituição, o projecto da união PP-PSD pretende assinalar que quer mudar de regime”.
Qual o objectivo desta profecia? Alertar a população para o regresso ao fascismo? Como entender a expressão “mudança de regime” senão desta forma?
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