No último fim-de-semana reuniram-se em Berlim onze partidos de “esquerda”. O objectivo era a constituição de uma família política que constitua uma alternativa às famílias europeias dominantes – os democratas-cristãos e os socialistas.
A primeira perplexidade vem da qualificação “partidos de esquerda”. Tratando-se de partidos que resultaram da refundação de partidos comunistas, assim como de partidos de inspiração trotskista, como é possível distingui-los dos partidos socialistas? Ou será que estes últimos não são de esquerda? E, se todos afinal são de esquerda, como pode a comunicação social teimar na condescendência de evitar o qualificativo “extrema-esquerda” para os partidos que se situam bem mais à esquerda que os socialistas?
Segunda observação: confirma-se que o tempo deixa as suas marcas indeléveis. Estes partidos eram, não há muito tempo, adversários persistentes da integração europeia. Hoje pretendem-se alistar no movimento que vê na criação de partidos políticos de cariz supranacional a força motriz para uma maior democratização da União Europeia. Ou seja, estes partidos de extrema-esquerda deixam de estar fora do sistema e passam a ser peças da engrenagem. O que representa um notável esforço de domesticação da sua natureza anti-sistema que vem do passado. Ainda que seja patente a sua oposição ao modelo de integração que impera na União Europeia, pelo menos já deixaram para trás a repugnância ao processo de integração europeia.
Em terceiro lugar, registam-se alterações na iconografia. Numa romagem efectuada pelas ruas de Berlim, com o folclore que é apanágio destes movimentos, os cartazes empunhados testemunhavam uma homenagem a Rosa do Luxemburgo. Nem sinais de Marx, nem tão pouco de Lenine ou de Estaline. Também aqui os sinais do tempo deixam uma marca indisfarçável. Sinal de que o comunismo está definitivamente enterrado, apesar dos arroubos nostálgicos de certos quadrantes ancilosados (claro, o PCP).
É compreensível a mudança de ícones. É preferível, por ser mais cómodo, agarrar-se à imagem de Rosa do Luxemburgo do que teimar nas figuras estafadas de Marx, Lenine ou Estaline. É mais revigorante construir o futuro deste quadrante político com um ícone que foi perseguido. Melhor do que continuar agarrado a figuras que, ao invés, perseguiram, martirizaram e cometeram tantos atropelos às liberdades e à vida humana. Só assim é possível arregimentar novas fidelidades entre as gerações mais jovens que não se revejam no mainstream político.
A minha dúvida persiste: será esta mudança suficiente para que a comunicação social trate estes movimentos de forma tão generosa, apelidando-os de “esquerda”? Continuo a pensar que há uma diferença de grau e de acção que posiciona esta gente mais na extrema-esquerda – ou, se quisermos ser mais simpáticos, na “esquerda radical”. Não será com operações de cosmética na sua iconoclastia que se livram deste rótulo.
1 comentário:
Gostei. Porém, o fato de mudarem o ícone mostra que são estrategistas e que o comunismo não está BEM ENTERRADO; uma parte desse defunto pútrido ainda está sobre a terra!
Enviar um comentário