A anunciada intenção do governo francês de banir de locais públicos todos os sinais exteriores religiosos não pode passar sem uma reflexão. Escudado na ideia de que a França é um Estado laico, o governo pretende impedir que as pessoas usem trajes ou símbolos indicativos de uma certa religião em escolas, hospitais e outros locais públicos. Acredito que o objectivo é o de afirmar a igualdade de todas as confissões religiosas (sem excepção), para diluir a possibilidade de ofensas recíprocas em casos de intolerância religiosa bem evidente.
Estou à vontade na matéria perante o meu ateísmo. Se a intenção do Estado francês é dar mostras de imparcialidade religiosa, nivelando por baixo os direitos de personalidade das pessoas que tributam a sua fé, este laicismo é tenebroso. Como digo, sou ateu. O que não me impede de respeitar por igual todos os credos. Por um imperativo básico civilizacional. Porque sem o respeito pelas convicções do outro não posso ambicionar que as minhas sejam respeitadas.
Ainda que muitos venham esgrimir a bandeira da intolerância religiosa fomentada pelos fundamentalismos religiosos, não sou da opinião que esses radicalismos tenham que ser combatidos com excessos que se situam no pólo oposto. Não se pode neutralizar os fundamentalismos religiosos com atitudes que pretendem equilibrar os desmandos que deles resultam. Com esta opção, envereda-se por um caminho minado. Os fervores religiosos sentem-se mais acirrados com aquilo que sem esforço vêm como uma manobra persecutória. Em vez de se criarem as condições para uma convivência pacífica entre as várias confissões religiosas, acende-se o rastilho de um barril de pólvora.
A decisão do governo francês é, no mínimo, insensata. Se o país é multicultural, com a coabitação de diversos credos, aniquilar a liberdade de expressão que se exterioriza nos símbolos de identificação com uma religião é atentatória de um princípio em que se alicerçou a revolução francesa – a liberdade. Talvez por querer alcançar a todo o custo outro dos princípios que foi um bastião daquela revolução – a igualdade. Mas uma igualdade que é uma miragem, por ser contrária à natureza humana. E uma igualdade aplicada com base no mínimo denominador comum. Uma igualdade de mínimos que estorva a liberdade individual, que amputa um acto tão intimista como é a fé de cada um.
Eis um exemplo de como em nome de uma pretensa igualdade o Estado pode ter tentações totalitaristas, asfixiando a liberdade.
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