A propósito da assinatura do acordo que criou um mercado ibérico de electricidade, registo um episódio que ilustra o país distorcido em que vivemos. Seguia no automóvel, ouvindo o noticiário da TSF. Notícia de abertura: a criação do mercado ibérico de electricidade. Um minuto, um minuto apenas, para noticiar que o acordo tinha sido assinado pelos primeiros-ministros de Portugal e de Espanha. Seis minutos para dar eco aos protestos dos sindicatos do sector que, no exterior, levantavam a sua voz contra este acordo.
A TSF deu expressão a esta desproporção gritante que, afinal, converteu os sindicatos nos verdadeiros protagonistas do acontecimento. Deixando que estes passem a sua mensagem eivada de erros grosseiros que apenas convêm aos respectivos interesses. O sindicalista entrevistado afirmou, impunemente, que os preços da energia vão aumentar, que vamos perder um sector estratégico para os interesses nacionais. Sem haver a preocupação de contrastar o outro lado da barricada com as acusações endereçadas pelas forças sindicais.
Entende-se que os sindicatos surjam mobilizados contra o acordo. Eles sabem que a EDP só consegue sobreviver se passar por uma fase de reestruturação que, certamente, levará ao despedimento de muitos trabalhadores que andam a mais na empresa. São ainda os resquícios dos “tempos saudosos” em que as empresas públicas eram cabides de trabalho. Nelas acumulavam-se pessoas que, por colocações políticas ou conivências de outro género, tinham que ser encostadas a um canto qualquer da empresa. Nem que fosse para fazer pouco mais do que nada. Não importando o que isso custava ao erário público. Porque, bem vistas as coisas, o erário público é o dinheiro de todos nós, mais fácil de gastar e terreno de eleição para decisões irresponsáveis.
Também se regista uma inovação: estes sectores, bem demarcados à esquerda (porque os sindicatos que ontem faziam ouvir a sua voz se filiavam na tendência comunista), são agora os paladinos dos “interesses nacionais”. Só assim se pode compreender a sua opinião de que a abertura do mercado ibérico vai expor um sector estratégico aos interesses de outro país. Regista-se a cambalhota retórica destes comunistas desorientados: quando antes eram os sectores mais à direita que estavam agarrados a fervores nacionalistas, agora são as esquerdas empedernidas que não hesitam em convocar o sentimento nacionalista da população em favor das respectivas causas. As voltas que o mundo dá!
Seria importante que a população sentisse que os interesses destes sindicatos não são os interesses da sociedade portuguesa. O despedimento de trabalhadores da EDP terá os seus custos sociais. Mas será legítimo continuar a sacrificar milhões de pessoas e de empresas, obrigando-as a pagar electricidade mais cara, apenas porque os trabalhadores da EDP estão à beira de perder as suas regalias? Parece claro que os interesses da sociedade portuguesa divergem dos interesses destes sindicatos.
Será que temos que dar ouvidos aos arautos da desgraça, quando eles desconfiam das virtudes do mercado ibérico de electricidade? Será mesmo crível que com a abertura do mercado à energia espanhola, mais barata, os preços não vão descer? Porque motivo estas aves agoirentas, que convivem mal com a concorrência e que olham de soslaio para o que vem do outro lado da fronteira, se recusam a aceitar o óbvio? A resposta é simples: embrulhados em preconceitos que vêm do passado, e nos quais a realidade não se revê, só eles se podem libertar desses tabus.
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