23.1.04

Sobre a greve: uma opinião nada “politicamente correcta”

Sempre me intriguei como se pode ser tão condescendente perante greves, sobretudo quando elas são como a de hoje, greves gerais. Sei que esta ideia é, para os cânones do “politicamente correcto”, altamente censurável. Imagino que quem defenda a ilegitimidade das greves seja logo apelidado de “fascista”. É uma acusação fácil, que dá frutos nos dias que correm.

Não me importo com os que os outros possam pensar. Nem sequer vou gastar tempo indagando se esta é uma greve justa ou não. Parto do princípio de que não há semelhante coisa – “greves justas”. Elas representam uma coacção e não apenas sobre quem visam directamente atingir (empresas, Estado enquanto empregador). Grotesco é aceitar que as greves façam as suas vítimas colaterais, os cidadãos inocentes que nada têm a ver com as motivações do conflito laboral entre grevistas e o Estado.

O próprio elemento da coacção já era fosse suficiente para me insurgir contra a existência de greves. O facto dos sindicatos impunemente endossarem as culpas para o governo é ainda mais revoltante. Assistimos, com total passividade, à mensagem dos sindicatos: é por culpa do governo que existe a greve. Como quem sugere que se o governo fizesse a vontade aos sindicatos, não havia greve e a população não ficaria prejudicada. Curiosa esta visão da responsabilidade pelos próprios actos. No caso, de perfeita desresponsabilização. Como se pode confiar em que é perfeitamente irresponsável pelos seus actos? O direito trata tais pessoas como inimputáveis, com as consequências bem conhecidas.

O pior das greves é eles encerrarem um conflito de direitos: direito do trabalhador de recorrer a uma paralisação em nome das suas aspirações não atendidas pelo empregador; e direito dos cidadãos em geral, afectados que são pela paralisação dos serviços públicos. Sem contar com as consequências que vêm sempre atreladas a estas greves: a dificuldade em chegar ao trabalho; a impossibilidade de ter aquela consulta médica esperada há meses; o adiamento do julgamento, protelando uma justiça já de si ausente; o não saber qual a previsão meteorológica para hoje, etc. Em suma, o direito que assiste a cada cidadão de levar a sua vida corriqueira, rotineira, organizada. O direito à subsistência e ao bem-estar dos cidadãos ficam vedados pela excentricidade destes sindicatos que teimam em manter regalias irracionais para uma casta de privilegiados. Não hesitando em atropelar os direitos dos cidadãos que só querem chegar a tempo ao trabalho e fazer aquilo que os funcionários público pouco fazem – trabalhar, justamente.

Entretanto, anestesiados, resignamo-nos perante o direito à greve. Vamos aceitando, com pacatez, que os nossos direitos individuais possam ser pisados em nome de um direito mais “nobre” que é furiosamente gritado nos megafones por uma entidade representativa de uma minoria. Eis a democracia no seu resplendor: uma escassa minoria e atentar contra as garantias e os direitos de uma imensa, mas silenciosa, maioria. É pena que não apareça uma entidade (mas nunca um sindicato) que defenda os interesses das vítimas das greves!

Um comentário final. Esta greve tem qualquer coisa de paradoxal. Os sindicatos queixam-se contra a perda de poder de compra dos funcionários públicos, sentida ao longo dos últimos anos. Presume-se que muitos funcionários públicos estão a passar imensas dificuldades. Mas, na prática, parece que isso não sucede. De outro modo, como compreender então que os funcionários públicos se possam dar ao luxo de abdicar do salário correspondente ao dia de greve que fazem?

Sem comentários: