1.3.04

Parque da cidade, outra vez

Depois de três meses de ausência, de volta às corridas matinais. Mas não é a apologia do exercício físico que me faz escrever. Antes as sensações variadas trazidas pelo amanhecer nestes dias de um Março que acaba de entrar no calendário e anuncia o final do Inverno.

À hora a que chego ao parque é ainda noite cerrada. Os minutos iniciais fazem-se em direcção ao mar, a poente. O que os olhos alcançam é o breu, uma escuridão que não permite distinguir onde acaba o mar e começa o céu. Só quando o rumo se curva para norte, e quando o olhar se desvia para a direita, começo a notar uma coloração diferente no céu. Já não é a escuridão que o tinge. Um tom mais claro, um cinzento ocre que se tenta emancipar do preto dominante da noite, ergue-se hesitante. Com os minutos a passarem compassadamente, a aurora anuncia-se no firmamento. A cada minuto que se sucede, o escuro que preencheu a noite vai dando lugar à claridade, ainda sem sinais do sol que se apresta a romper no fio do horizonte.

Nova esquina virada e os olhos dão de caras com nascente. O céu, preenchido por umas nuvens tímidas e esparsas que não chegam para o esconder, dispara um esplendoroso vermelho-alaranjado nutrido pelos primeiros raios do sol que está quase a despontar. O quadro é magnífico. As nuvens ganham aquela cor vermelho-alaranjada, como se estivessem a gritar de saudade pelo breu da noite que vem dar lugar à claridade do dia. As cores que se misturam nas nuvens dispersas e no firmamento descoberto são de uma beleza singular. Revigorante.

A acompanhar os primeiros sinais do dia que nasce, as aves despertam do sono nocturno. Começam a chilrear, treinado as cordas vocais e comunicando entre si. As mais ávidas pelo dia que se estende pela frente começam a esvoaçar, em desordenados mas garbosos voos rasantes pela relva e pelos lagos. Também os patos e os cisnes entram na cantoria. Alguns levantam-se de um sono refrescante e entram na água para o primeiro passeio matinal.

Nova esquina dobrada fez-me orientar a bússola para poente, voltando as costas ao vistoso espectáculo de luz radiosa que o sol, ainda escondido, pintava o céu. Ainda consegui ver como essa luz irradiava nas árvores à minha frente. Como se elas perdessem, por um momento, o castanho dos troncos e o verde das folhas e subitamente ganhassem aquele vermelho-alaranjado vindo da aurora.

O exercício aproxima-se do final. Com nova curva dada regresso ao ponto de partida, com o nascente no firmamento. Ainda não vejo o sol na sua grandeza, essa bola incandescente que a esta hora da manhã rompe com timidez a linha do horizonte. Apenas descubro uma cor alterada a tingir a mistura de céu e de nuvens por cima da minha cabeça. Já não o vermelho-alaranjado etéreo de há pouco, mancha celestial de pouca duração. Agora apodera-se uma transmutação luminosa onde refulge um amarelo que altera o laranja que há pouco dominava. Um amarelo radioso, que começa a encher o céu até que os primeiros raios são trazidos com grandiloquência pelo astro rei que cresce, imparável, para lá do horizonte.

Eis uma experiência que as pessoas deviam ter. Não digo que cometam a loucura de correr meia hora expostas ao frio invernal. Apenas despertar mais cedo para testemunharem com os seus olhos a grandiosidade da contemplação que tentei descrever. O dia fica ganho logo na alvorada.

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