12.10.11

O julgamento de Tintin (ou: se o ridículo matasse)


In http://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/0/08/Tintin_au_congo.jpg
Não é uma farsa – é um julgamento a sério. Mas, em sendo a sério, não deixa de ser um farsa: um livro de Tintin (“Tintin no Congo”) foi atirado para o banco dos réus porque um imbecil se sentiu ofendido pela apologia do colonialismo feita no livro. E porque o livro está – no entender desta luminária – repleto de mensagens racistas. É pena o julgamento ser na Bélgica. Se fosse cá, o professor Boaventura suspendia a suspensão na ordem dos advogados para ser o causídico desta causa tão progressista.
Entretanto, o insólito é não ser uma pessoa a emprestar os costados ao banco dos réus. É um livro. E nem por ter sido publicado em junho de 1930 demoveu a luminária progressista que tanto esgadanhou no passado que, quem sabe se para se fazer notar (os seus cinco minutos de fama), impugnou o livro. O que está mal é um ignorante meter-se com a liberdade artística. E impedir os outros, os que porventura devoram as histórias de Tintin, de terem acesso a uma dessas histórias só porque o queixoso se considera ofendido pela obra (e considera que toda a raça negra é ofendida, como se ele fosse porta-voz da negritude). Se a moda pega, temos a inquisição, nas sua vestimenta hodierna, a bater à soleira.
E se a moda pega, e outros dementes com sede de protagonismo desatarem a meter em tribunal obras que agora são politicamente incorretas, os tribunais todos não chegam para os julgamentos. A não ser que os juízes tenham a decência de rejeitar ações judiciais datadas. Pelo andar da carruagem, os poetas malditos eram proscritos e as suas obras nem para curiosidade arqueológica sobravam. As páginas das obras primas, só porque foram escritas noutra era em que se admitiam ideias hoje desterradas para o mau gosto, deixariam de ser dedilhadas pelos espíritos ávidos de conhecimento. A cultura seria um enorme espartilho filtrado pelos novos censores afivelados no crivo do aceitável.
Não aprendemos nada com o pretérito. O estalinismo deixou, definitivamente, cicatrizes por sarar. A arte refaz-se sob a batuta dos verdugos que se acham decantadores do politicamente correto. Ontem, foi o capitão Haddock que perdeu o cachimbo, pois fumar passou a ser pecado mortal. E amanhã, o que nos está reservado neste revisionismo literário que perfuma o fim das liberdades?

1 comentário:

Sérgio Lira disse...

Digo o mesmo que disse em Março (ou Abril) quando isto veio a lume:

Que coisa idiota! que tipo imbecil. Censura? retroactiva? mas está tudo louco? é que nos livros do TinTin há outros também racistas (e até bem mais racistas que este: os árabes são tratados de idiotas, os portugueses de mentirosos, os "chinas" de imbecis, os italianos de malucos, etc. etc. etc.); e a seguir, vão queimar todas as obras do Asterix? também são racistas - todas elas, sem tirar ne por: por caricatura de estereótipos, se por mais não fosse (estou-me a lembrar daqueles normandos burros, ou dos belgas (!!!) ou dos hispânicos, ou dos ciganos... etc., etc.); e também devemos retirar das bancas o Das Kapital por ser racista para com os burgueses? ou o Mein Kampf (esse nem precisa de ir a jugamento, é mesmo racista, sem discussões)? e queimar a biblioteca de Alexandria? isso é que era uma ideia! ah, e a Bíblia! a Bíblia tem mesmo que ser interditada, ou levar uma dístico vermelho na capa a avisar dos conteúdos extremamente racistas que contém. E não esquecer os Lusíadas: também deveriam ser caçados e expurgados. E os Maias - lembram-se de como tratas as "espanholas"??? Tudo prá fogueira, já!