20.10.11

A leste do paraíso


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Parecia alucinado – e, todavia, estava como a multidão toda, imerso na grande cidade. Os olhos perdidos no fim do horizonte, os olhos baços que passavam pelas pessoas em redor como olhos inertes. Era como se toda a gente fosse estranha, irrelevante, inexistente. Fantasmas do avesso.
Não eram andrajos que o descompunham, nem uma barba hirsuta e deslavada, ou o cabelo enriçado em exibição de ausente higiene. Era um homem razoavelmente apessoado. O porte condizia com um mendigo. Só faltava a aparência. Introvertido, entrava mudo no café que frequentava todas as manhãs e saía sem proferir uma palavra com vivalma. Nos transportes públicos, sempre a mesma pose hirta, o rosto afivelado nos dentes cerrados que salientavam as mandíbulas espetadas no queixo. Soava a raiva reprimida. Parecia que a raiva era engolida no silêncio que adestrava a introspeção. Nos transportes públicos, quase toda a gente lia as notícias da manhã (ou escutava música, no ensimesmamento dos headphones encavacados nos ouvidos). Ele permanecia inerte, o rosto macilento, o olhar ausente no firmamento, o corpo seco, dir-se-ia magro a anunciar descuidada alimentação.
Não lia jornais. Não tinha televisão em casa – e, que se soubesse, ninguém jamais fora visita na sua misteriosa casa. Andava neste mundo como se habitasse noutra dimensão. Não curava da atualidade. Um dia, um homem que queria meter conversa atirou em jeito de semântica afável: “que acha desta crise que para aqui vai? Eu cá não acredito que temos salvação.” Ele, tomado pela timidez impenitente, fez um esgar de contrariedade e ripostou com voz gélida, maquinal: “eu não leio notícias. Perdoe-me, eu não sei da atualidade. Pergunte a outro.
Afinal, percebera o abortado interlocutor (que já nele reparara nas viagens rotineiras no metro), a pose distante e fria não era raiva reprimida contra o mundo tremendamente injusto. O homem era um propositado estranho do que vogava em redor. E o abortado interlocutor, depois da perplexidade ao início, não conseguiu reprimir a inveja. Alienado de tudo, ao menos não sofria os achaques em que o mundo é pródigo. Por estes dias de dores plangentes e diárias – concluiu – os alienados de tudo são os mestres do saber.

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