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Parecia
alucinado – e, todavia, estava como a multidão toda, imerso na grande cidade.
Os olhos perdidos no fim do horizonte, os olhos baços que passavam pelas
pessoas em redor como olhos inertes. Era como se toda a gente fosse estranha,
irrelevante, inexistente. Fantasmas do avesso.
Não
eram andrajos que o descompunham, nem uma barba hirsuta e deslavada, ou o
cabelo enriçado em exibição de ausente higiene. Era um homem razoavelmente
apessoado. O porte condizia com um mendigo. Só faltava a aparência.
Introvertido, entrava mudo no café que frequentava todas as manhãs e saía sem
proferir uma palavra com vivalma. Nos transportes públicos, sempre a mesma pose
hirta, o rosto afivelado nos dentes cerrados que salientavam as mandíbulas
espetadas no queixo. Soava a raiva reprimida. Parecia que a raiva era engolida
no silêncio que adestrava a introspeção. Nos transportes públicos, quase toda a
gente lia as notícias da manhã (ou escutava música, no ensimesmamento dos headphones encavacados nos ouvidos). Ele
permanecia inerte, o rosto macilento, o olhar ausente no firmamento, o corpo
seco, dir-se-ia magro a anunciar descuidada alimentação.
Não
lia jornais. Não tinha televisão em casa – e, que se soubesse, ninguém jamais
fora visita na sua misteriosa casa. Andava neste mundo como se habitasse noutra
dimensão. Não curava da atualidade. Um dia, um homem que queria meter conversa
atirou em jeito de semântica afável: “que
acha desta crise que para aqui vai? Eu cá não acredito que temos salvação.”
Ele, tomado pela timidez impenitente, fez um esgar de contrariedade e ripostou
com voz gélida, maquinal: “eu não leio
notícias. Perdoe-me, eu não sei da atualidade. Pergunte a outro.”
Afinal,
percebera o abortado interlocutor (que já nele reparara nas viagens rotineiras
no metro), a pose distante e fria não era raiva reprimida contra o mundo
tremendamente injusto. O homem era um propositado estranho do que vogava em
redor. E o abortado interlocutor, depois da perplexidade ao início, não
conseguiu reprimir a inveja. Alienado de tudo, ao menos não sofria os achaques
em que o mundo é pródigo. Por estes dias de dores plangentes e diárias –
concluiu – os alienados de tudo são os mestres do saber.
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