25.10.11

Filigrana


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Porcelana fina. Uma sensibilidade que se coalha com um singelo sussurro ao ouvido. Casquinha de noz deitada aos ferozes apetites do mar encapelado. Frágil. Acossada nas noites imperturbáveis e que, todavia, se refastela nos odiosos corredores estreitos por onde se esgueiram as assombrações. Tudo nasce e quase tudo fenece na sua labiríntica cabeça – um mastodonte que se empresta às balas, triunfal na sua valentia, ó profana valentia que desagua em nada.
Às interrogações devolve respostas em forma de interrogação. Um simples passo, nem interessa se em falso, e logo se ajoelha diante da apoplexia que julga frígia, esperneando como se não houvesse amanhã em espasmos que a vomitam para fora de si. Ou talvez seja apenas encenação, uma terrível vontade de ser protagonista de atenção. Dos que gravitam na sua órbita, acostumados à filigrana de seda sem importunação. E dos outros, dos que passam e são vítimas da baioneta imaginária terçada em demanda de afagos.
Um dia deu de caras com um distraído. Em litania, meteu conversa e desnovelou as contrariedades que a convenciam da existência compungida. E ele, absorto num mundo particular, olhava com indiferença (“outra demente”, diagnosticou). Fazia de conta que se embebia no prolixo monólogo e coçava a cabeça em desdém de perplexidade. “Que raio”, calçava o pensamento sem verbalização, “não conheço a mulher de nenhum lugar. Por que não me deixa sossegado?” E ela persistia na narração dos pessoais contratempos, acentuados com o dramatismo que manejava com destreza.
Dez minutos depois, muitas palavras salivadas sem serem retidas por ele, ela disparou um repto para testar a sua atenção: “então diz-me lá como me chamo”. Só à terceira tentativa, já a voz dela crescia, audível, nas imediações e as demais pessoas na estação do metro desviaram o olhar em sua direção, reparou na interpelação. Não se incomodou com a interrogação em jeito de desafio, nem se atemorizou com o olhar irado que, se pudesse, arrancava as córneas pela raiz. Ele disse: “não me lembro” e virou as costas.
A menina esteve três dias sem sair da cama, tamanha a desfeita ao ego tão inflamado, o ego carregado com as cintilações da filigrana que a levavam ao convencimento de que era alteza no meio dos súbditos.

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