19.10.11

Um dia perfeito


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Um dia perfeito é uma surpresa agradável, daquelas que provocam um espontâneo sorriso farto. Encontrar uma pessoa conhecida que se ausentara até das memórias. Pôr a conversa em dia enquanto os lábios se aconchegam na chávena de café. Sem exagerar da nostalgia, não vá o reencontro esgotar-se na tradição das memórias que equivale a um inglório aproveitamento do tempo.
Um dia perfeito é, em podendo, gazetar. Meter as mãos ao volante e rumar pelas errâncias que forem apetecidas ao sabor do momento. Atravessar as encruzilhadas por diante, redesenhar o rumo consoante a vontade do momento. Sem outra urgência que não seja a de fugir da cidade em demanda do sossego das paisagens onde o isolamento encontra nutriente. Subir a estrada que empina pela serrania acima, dobrar as curvas apertadas, sem medo dos precipícios que bordejam a estrada, até por fim a cumeeira ser abraçada. E depois, depois deixar o corpo entregue à paisagem oferecida pelo púlpito da serrania. Fechar os olhos enquanto o rosto é esbofeteado pela ventania fresca que redobra de intensidade na desproteção do lugar despovoado. Ao abrir os olhos, sentir que já se pode regressar a casa.
Um dia perfeito é saciar a rotina. Senti-la como dádiva que é legada aos mortais. A dádiva de acordar e abrir os olhos e sentir que uma vida inteira, preenchida, a vida toda que existe por si mesma, está à frente dos olhos, pronta para ser servida, pronta para ser sorvida. E se à rotina o pensamento disser que ela é cansativa, ao menos a grandeza de admitir que o pensamento tem a lucidez de esboçar desfechos.
Um dia perfeito: é um afago que arrepia a pele, uma palavra discreta de elogio, uma música escutada na rádio que vem a preceito de um momento, um repentino mergulhar numa página ao calhas de um livro de poemas, não ligar a televisão nem ler jornais para não ser esquartejado pelas notícias negras, os gatos que se roçam nas pernas, ávidos de carícias. A filha que segreda a adoração pelo pai. Isto e muito mais, num cortejo dos dias que se seguem uns aos outros. Que devia ser um cortejo imperativo de quase perfeição.

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