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Anda
toda a gente contente com o demorado e intempestivo verão que arremeteu pelo
outono dentro. Ao menos isso: que a malta ande toda encantada com o destempo
de uma estação. Eu, que tenho esta irreprimível pulsão para ser
desmancha-prazeres, estou cansado da extemporânea canícula. Mas regozijo-me com
a felicidade estampada nas reavivadas cores da populaça que resgatou as toalhas
ao armário e voltou a frequentar areias balneares.
Talvez
as pessoas queiram uma distração da austeridade em dose cavalar que se anuncia.
Talvez desejem válvulas de escape que as façam olvidar, por instantes que seja
(neste caso, o agosto faz de conta), a montanha de sacrifícios que vai ser
despejada em cima de nós. De repente apetece acreditar na justiça divina, ou em
anjos celestiais que corrigem infortúnios terrenos com aclamações
meteorológicas que fazem arribar o espírito. Outra vez: ao menos isso. As
compensações, quando espreitam por entre a putrefação, massajam os contrafortes
condoídos pelas exasperações quotidianas. Oxalá haja destas compensações por
diante. Para sermos devedores de gratidão aos fautores da justiça divina (se
existisse).
Em
contramão, os anjos bondosos não tiveram piedade de suas eminências que
discursaram e ouviram discursar nas cerimónias do aniversário da república. A
canícula estava a pique e suas eminências, empasteladas na cerimoniosa fatiota
com gravata a preceito, suavam as estopinhas enquanto as moleirinhas torravam
ao sol que mais parecia algarvio. Já não chegava suas eminências não poderem
aproveitar o feriado para atividades lúdicas. Porventura a maralha, carente de
justiça divina que se confunde com justiça poética, dissesse: é bem feito; os
anjos que descompõem as estações, deixando que o verão se demore dentro do
outono ainda infante, são anjos democráticos.
Mas
eu, com esta pulsão para ser desmancha-prazeres, padeço com tanto calor.
Insulto este verão fora do calendário. Consumo-me de saudades do tempo que faz
jus à estação que começa nos fins de setembro. Alguns dirão que o outono
plúmbeo, o outono semeador dos primeiros ventos tempestuosos, é um assassínio
de caráter. Afeia os rostos, calcina as disposições interiores. Eu digo, ao
contrário da maré, que o verão que se apoderou do outono é o assassino feroz.
Temperaturas de agosto nos alvores de outubro é coisa que não se faz. Como
posso acreditar em justiça divina?
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