Cabem as posses todas,
as semeadas em terra firme e as que se escondem nas profundezas dos mares.
Cabem dentro das algibeiras os sentimentos maiores, condensados numa amálgama
que rebenta com os estertores. Cabem as mãos todas dentro dessas algibeiras, as
mãos contudo necessárias – já não as mãos desconhecidas, ou as mãos a quem as
mãos deixaram de dar uma mão. Cabem as maresias que beijam os pés da alvorada
fresca. Os montes e vales que parecem uma sequência interminável, confundindo-se
com a bruma madrugadora. Cabem uns cabelos ondulados que navegam por entre os
dedos enquanto um corpo repousa no regaço do outro. Cabem os livros que foram
devorados, ou os livros que na leitura tiveram parto difícil, as músicas, as
muitas músicas selecionadas a compasso das circunstâncias. Cabem as pessoas que
mereceram conhecimento, as pessoas de onde se trouxe lições variadas. Cabem as
estradas decantadas, as paisagens nem que sejam disformes recordações nas
alcáçovas do outrora. E cabem gastronomias do mundo, as gastronomias
experimentais, as doces amesendações de onde se extraem os pulsares de almas
quase gémeas.
A não ser pequeno o
habitáculo onde se fundeia a alma, ela mede um tamanho à sua semelhança. Que
isto seja um manifesto, ou só consumo interno, é despiciendo. Os julgamentos
que interessam são os que jorram das profundidades da alma. É quando ela se
enfeita com uma pureza de raciocínio e vai de mão dada com os querubins da
introspeção. Sobram os dedos em riste algures, porventura; os desaprovadores
dedos em riste que se afadigam em sumários julgamentos alheios. Não importam,
esses dedos em riste emproados por juízes falazes. Pois quando a alma não é
pequena, a pequenez dos ardilosos juízes dilui-se no amplo espaço onde habita a
alma.
Quando a alma não é
pequena, só os olhos contemplam o que tem merecimento. A enorme alma tudo
depura, como se fosse um filtro diligente que sacrifica as impurezas que podiam
tudo contaminar.
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